Adolescentes em combate na recta final da competição em Veneza

Eles tomam as rédeas da sua história: o miúdo e o seu cão de combate de Sivas e o filho de Le Dernier Cou de Marteau. Dois triunfos, os filmes.

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"Sivas" é uma belíssima estreia de Kaan Mudjeci
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Asian reabilita um cão ferido num combate, Sivas, e toma-o como sua arma para impressionar
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Sivas, o cão
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Asian, o rapaz desta história, não conseguiu o papel de príncipe que o faria mostrar-se à rapariga da escola
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São homens, grandes e pequenos, que fazem passar entre si uma herança de violência

É a história de uma criança de onze anos e do seu cão, mas isto não é Lassie.

Na verdade, no final de uma das projecções de imprensa de Sivas, primeira obra de Kaan Mudjeci (concurso), houve quem gritasse “vergonha!”, porque esta primeira ficção de um realizador turco não coloca nada de delicodoce na arena: cães em luta feroz (Mudjeci tem sido interrogado nas entrevistas, a propósito do tremendo realismo das cenas; responde que trabalhou em colaboração estreita com veterinários, que o bem estar dos animais nunca esteve em causa).

Fathers & Sons era o título de um documentário de 2002 de Kaan. Já havia lutas de cães. A sua primeira longa-metragem de ficção, rodada numa aldeia da Anatolia com não-profissionais para não alterar as características e os rituais de uma comunidade, podia chamar-se o mesmo: são homens, grandes e pequenos, que fazem passar entre si uma herança de violência, aquilo que o grupo lhes ensinou.

Há uma fábula em fundo, a de Branca de Neve e os Sete Anões, peça para qual Asian, o rapaz desta história, não conseguiu o papel de príncipe que o faria mostrar-se à rapariga da escola. Para compensar a frustração, Asian reabilita um cão ferido num combate, Sivas, e toma-o como sua arma para impressionar. Um dado que altera aqui uma linhagem benigna e exemplar: não é uma história de amor entre homem e animal, é uma história de homens, é uma história de combate.

Belíssima estreia de Kaan Mudjeci, e logo a trabalhar com duas “matérias” perigosíssimas, animais e crianças, deixando-se levar (ou criando essa ilusão) pelas estratégias de um jovem combatente, deixando que se desenhe um movimento que se fecha em torno de uma imaginária arena: esta história nada tem a ver com cães, esta é a história de uma criança que se inicia no treino ao combate no grupo.

É tambem a história de um adolescente que quer tomar as rédeas da sua história: Le Dernier Cou de Marteau, de Alix Delaporte, ou de como na rota final da competição de Veneza os cineastas se mostraram à altura de inescapáveis heranças. Grégory Gadebois, o actor do filme, tem evocado a muitos o Antoine Doinel de Os 400 Golpes de Truffaut ou os jovens do cinema dos Dardenne, o que não é despropositado (e podíamos até acrescentar o Pialat de L’Enfance Nue). Tal como a corrida final de Doinel para chegar ao mar é uma demanda de superação, também Victor, o nome deste rapaz, vai, mais do que reorganizar a comunicação no seio do que resta da sua família – mãe doente, pai que não o (re)conhece –, criar um papel triunfante para si no melodrama familiar.

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