A (r)evolução cultural

Zhang Yimou filma que se desunha, sim, mas nem a regressada Gong Li salva Regresso a Casa de ser um melodrama manipulador e calculado.

Foto
Regresso a Casa: Zhang Yimou sucumbe à dimensão maniqueísta de melodrama à moda antiga da sua história DR

Por breves instantes, parece que o chinês Zhang Yimou voltou aos seus grandes momentos – pouco depois do início de Regresso a Casa há uma sequência extraordinária, virtuosa de construção e execução, onde, sem diálogos de espécie nenhuma e usando apenas câmara e montagem, o cineasta faz passar de modo sublime tudo o que é preciso saber sobre pai, mãe e filha de uma família desfeita na China dos anos 1970, apanhada na vertigem das purgas da Revolução Cultural.

Mas é sol de pouca dura, porque logo em seguida Zhang sucumbe à dimensão maniqueísta de melodrama à moda antiga da sua história, adaptada de novo de um romance de Yan Geling (que já dera origem ao anterior e frustrante As Flores da Guerra). A história da mãe-coragem (Gong Li) cujo sacrifício a coloca à beira da loucura, do marido regressado do gulag (Chen Daoming) dilacerado por a esposa não se lembrar dele, e da filha cujo futuro ficou desfeito (Zhang Huiwen) parece um dos velhos melodramas hollywoodianos da dupla Ross Hunter/Douglas Sirk. O que, por si só, não seria mau, até porque Zhang a filma com a convicção necessária para um melodrama do género poder fazer sentido hoje em dia; o problema é que rapidamente percebemos que, ao contrário de Sirk, o formalismo do trabalho de encenação não está ao serviço da história, parece esgotar-se no exibicionismo do “saber filmar”. 

Zhang Yimou, de há uns tempos para cá erguido a “cineasta oficial” do regime chinês, sabe. Mas não precisava deste filme para o provar.

 

Sugerir correcção
Comentar