A passadora

É um exercício de cópia cuspido e escarrado – cópia de Carpenter – e é obvio que isso nos conquista logo, mais vale uma boa cópia que um mau original.

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Vai Seguir-te: não há como negar o prazer, puramente plástico em primeiro lugar, de algumas das suas cenas e sequências DR

Agora que John Carpenter parece mais interessado em jogos de consola do que em novos filmes não fica mal encontrar um aprendiz. David Robert Mitchell, de quem este Vai Seguir-te é a segunda longa-metragem, manifestamente aprendeu tudo com Carpenter.

Carpenter, o Carpenter de Halloween, por exemplo, que este filme lembra de várias maneiras, foi mil vezes copiado, a maior parte das vezes em cópias que confundiam o essencial com o acessório. Menos vezes vimos cópias carpenterianas que ao modelo tenham ido buscar sobretudo uma noção do estilo, da forma, duma maneira de fazer. O melhor de Vai Seguir-te é sua colagem, para não dizer “reprodução”, de alguns elementos decisivos do estilo de Carpenter. Basta o primeiro plano, aliás notável, para o perceber – a panorâmica, a gestão do tempo interno do plano, o movimento da câmara a desenhar um espaço a 360 graus (quer dizer: totalmente “aberto” e, portanto, ameaçador), o ritmo de sintetizador na banda sonora, o cenário da ruazinha suburbana que parece tirada a papel químico das ruazinhas de Halloween.

É um exercício de cópia cuspido e escarrado, competentemente feito, e é obvio que isso nos conquista logo, mais vale uma boa cópia que um mau original. É certo que, depois do entusiasmo inicial, se vai percebendo que o filme de Mitchell não tem muito mais para dar do que a exposição de uma lição bem aprendida, no mesmo passo em que retoma uma série de temas de uma tradição do filme de terror a que Carpenter também não é estranho (a sexualidade adolescente, um mundo de classe média suburbana de onde os adultos parecem ter desaparecido) mas com muito menores ironia e ambiguidade. Esta história de uma maldição que se “apanha” pelo sexo mas de que também só se desembaraça pelo sexo (assim pelo menos destruindo as metáforas mais evidentes, tipo Sida) tende a tornar-se formulaica, a não ser mais do que aquilo que é, fascinada pelo ocasional brilhantismo da sua mecânica, ainda que Mitchell polvilhe o filme de referências que aparentemente pretendem sinalizar algo (dos filmes de ficção científica dos anos 50 a Dostoievski). Fica longe, portanto, da riqueza e da densidade do seu modelo. Mas não há como negar o prazer, puramente plástico em primeiro lugar, de algumas das suas cenas e sequências, e só isso é razão para merecer uma espreitadela.

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