A nova arquitectura em directo no MoMA

O trabalho de Pedro Gadanho como curador no Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque pode ser visto numa exposição que é também como uma retrospectiva pessoal. Conceptions of Space explora o modo como as novas noções de espaço influenciam o que se projecta em arquitectura. Do social ao artístico, haja contágios.

Foto
Hy-fi, do atelier nova-iorquino The Living DR

Ao toque, parece esferovite. Poroso, cedendo um pouco à pressão. Um bloco com a forma de um tijolo de barro um pouco mais longo do que a maioria dos que cobrem a fachada de muitos dos edifícios mais antigos de Nova Iorque. Só que mais leve e totalmente orgânico, um tijolo reinventado sobre o qual se pode dizer que foi cultivado, e que, em combinação com outros tijolos iguais, forma uma estrutura que venceu a 15.ª edição do Young Architects Program (YAP), no MoMA. Imagens e uma réplica de parte desse projecto que pode ser visto desde finais de Junho na cidade de Long Island, em Nova Iorque, estão no átrio do museu, junto às bilheteiras, e funcionam como cartão de visita para Conceptions of Space, uma exposição de 20 projectos que representam 80% das aquisições feitas para espólio na área da arquitectura contemporânea nos dois anos e meio em que Pedro Gadanho está nas funções de curador no Departamento de Arquitectura e Design daquele museu.

“O projecto chama-se Hy-Fi é de um grupo de arquitectos [The Living] que traz os princípios da biologia para a arquitectura. Este tijolo nasce do aproveitamento das raízes de um cogumelo que, ao consumir os restos da agricultura, solidifica e forma estas placas que têm sido usadas para embalagens. Esta é a primeira utilização em arquitectura. Interessa-nos enquanto solução de pesquisa para utilização futura e por ser totalmente não poluente. Não tem emissões de carbono ao longo do seu processo de construção”, refere Pedro Gadanho em vésperas de inaugurar a exposição na Robert Menschel Architecture and Design Gallery, no terceiro piso do museu. 

É grande o impacto da estrutura naquele anfiteatro onde se podem ver os vencedores dos outros museus que se associaram ao MoMA (o MAXXI, em Roma, o Constructo, em Santiago do Chile, o Istambul Modern na Turquia e o MCAA, de Seul). E é por ela que Pedro Gadanho começa a visita guiada que fez para o PÚBLICO através da exposição que é uma retrospectiva do trabalho que tem desenvolvido em Nova Iorque e que privilegia o modo como a arquitectura reflecte as relações sociais e artísticas que criam ou definem o espaço. Neste caso, o modo como novas propostas respondem a necessidades prementes, como a procura de soluções alternativas em resposta a problemas muito específicos. “Para mim a ideia de sustentabilidade é muito duvidosa porque anda colada a um aproveitamento comercial. Prefiro dizer que me interessam propostas inovadoras sem prejuízos ambientais”, precisa o arquitecto antes de falar do jogo de luz e sombra que sai daquela estrutura pensada como espaço para espectáculos ou lazer. 

Simbólico. Aquele que é o elemento mais básico associado à construção de edifícios — o tijolo — surge associado à tecnologia mais inovadora como exemplar não apenas no modo como necessidades funcionais se conjugam e articulam com o espaço arquitectónico e onde a arquitectura é vista enquanto disciplina também artística. Ou seja, enquanto disciplina que responde a problemas culturais e desencadeia trabalhos artísticos. “Interessa-me a ideia de concepção do espaço, mas também de como ele é representado e interpretado e dá azo a vários objectos no mundo da cultura. Não é só um espaço diáfano ou invisível. É algo que se transforma em objectos”, vai dizendo Pedro Gadanho enquanto entra numa sala transformada, já não mais o quadrado que serve de base a quase todas as exposições do MoMA, mas um espaço também ele alterado, fazendo justiça ao título da exposição que está quase montada. 

Ainda há escadotes, os projectores de vídeo estão a ser ligados, termina-se a colagem do que vai ser a imagem da exposição Conceptions of Space. São 140 peças que representam 20 projectos divididos em oito grandes áreas e uma preocupação fundamental: pensar como é que os arquitectos concebem, representam e interpretam a noção de espaço arquitectónico. E é tudo como numa performance. A exposição montada como uma experiência não apenas visual, mas sensorialmente mais alargada e sobre a qual é possível fazer projecções, adivinhar tendências, perceber que as possibilidades são múltiplas numa linguagem cheia de contágios. Temos o edifício mais estreito do mundo, na Polónia, enquanto exemplo do quanto pode a criatividade no aproveitamento do espaço vazio em cidades cada vez mais densamente povoadas, como a Nova Iorque depois do mayor Bloomberg; as visões futuristas que aconteceram muito na década de 1970 inspiradas na ficção científica; as estruturas modulares ou de revestimentos — chamam-lhe envelope — que estimulam arquitectos em busca de novos processos de construção; ou as fórmulas rígidas a que também estão limitados e de que mais uma vez os americanos são exemplo. 

Mais estimulante de tudo, insiste Pedro Gadanho, “é a forma como o espaço é apropriado. Seja por artistas que fazem instalações, ou por sociólogos que falam da produção do espaço”. Em suma: “Esta exposição revisita a ideia de espaço arquitectónico da contemporaneidade”, muito inspirado no sociólogo francês Henri Lefebvre que explorou a concepção de espaço enquanto abstração e interacção social. É entre estes dois pólos, opostos mas sempre em diálogo, que a colecção e a exposição - que abriu dia 4 ao público - foram pensadas, numa lógica que pretende abarcar a arquitectura contemporânea em toda a sua complexidade. Num momento em que as alterações acontecem não apenas no modo de representar um projecto como nos materiais criativos que eles inspiram. 

Fotografia, desenho, performance, crítica surgem interligadas numa leitura da arquitectura que está a alterar também o modo como são escolhidas as peças que compõem as colecções dos museus. Não basta ter uma maqueta ou um esquisso. É preciso que as peças contemplem esse olhar artístico, funcional, crítico e reactivo inerente a cada projecto. 

Os portugueses
Entre os 20 projectos, três são de portugueses e enquadram-se em duas áreas diferentes entre as oito que compõem a exposição. Álvaro Siza com o Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre, no Brasil, surge como exemplar de uma exploração quase escultórica do espaço em arquitectura. A maqueta, a fotografia da maqueta, que surge evidenciada, e os esquissos que levaram ao projecto final ocupam um lugar central na exposição. “Nesta secção, o espaço e trabalhado de uma forma não meramente funcional; é algo muito mais profundo. Siza é, se calhar, um dos melhores representantes dessa procura espacial muito intensa que aqui é representada pelos esquissos dele e como se percebe que anda à procura de uma forma, de algo que não é muito preciso no início. Para que se perceba que o projecto é um processo muito longo de procura e de antecipação de diferentes necessidades e partes do edifício até que tudo faça sentido e tenha coerência.” 

A fotografia insere-se nesse entendimento mais complexo do projecto, enquanto modo de representar algo que é a ideia marcante da primeira secção da mostra: o espaço social. E aqui entra a fotografia em arquitectura, uma disciplina que “tem sido um pouco maltratada”, continua. A fotografia do museu, da autoria do português Fernando Guerra, é uma peça nova, mandada ampliar e que será integrada na colecção do MoMA e que, segundo Gadanho, ajuda a completar o quadro dedicado ao projecto de Siza. Poderia, no entanto, estar na secção inaugural a par com as do Estádio Olímpico de Pequim, da autoria do britânico Cristobal Palma. “Quando se fala de concepção de espaço não se fala apenas de arquitectura mas de como o espaço arquitectónico é representado e é visto e não é só através dos esquissos dos artistas mas da visão dos artistas e da visão dos fotógrafos”, sublinha Pedro Gadanho. E, sobre o Estádio de Pequim, do holandês Iwan Baan, ali representado, afirma ainda: “é uma das primeiras vezes em que o projecto entra não pela mão do arquitecto, mas do fotógrafo.” 

São fotografias que contam uma história e essa componente narrativa é muito valorizada pelo curador do MoMA. O modo como a exposição foi concebida reflecte essa preocupação. Exemplo: o Living Space ou seja, as casas seleccionadas enquanto elementos por excelência da experimentação em arquitectura. Embora concebidas como espaço íntimo, permitem uma liberdade criativa que é contada através de vídeo, desenho ou maqueta. Outro exemplo: o modo como algo que se assemelha a uma prancha de banda desenhada pode ter estado na concepção de uma das peças mais emblemáticas da colecção. “A nova geração é capaz de manipular várias linguagens artísticas para chegar a um resultado. Esse processo é muito estimulante e significativo dos novos modos de pensar o espaço e de como podem ser determinantes no futuro”, justifica assim algumas opções que quebram um olhar mais ortodoxo sobre o que deve ser uma colecção de arquitectura. Foi antes de apresentar um módulo que associa duas linguagens: a da mobiliário com a da arquitectura. Congrega as duas escalas e permite múltiplas combinações. Pode ser mudado de sala, pode ser manipulado quanto à sua posição. “Uma das funções desta coleção é a de detectar talentos emergentes e a que combina performance com arquitectura permite uma grande criatividade”. É aqui também que se enquadra o trabalho do outro português, Didier Faustino, um artista nascido em Portugal e que tem vivido quase toda a vida em França. Ele transformou uma estrutura antiga numa espécie de baloiço gigante a partir do qual é possível ter uma perspectiva da cidade de Shenzhen, na China. 

É um dos projectos mais recentes de uma selecção que recua até à década de 1970, mas que se fixa nos últimos quatro cinco anos de produção internacional e que pode ser visto até 19 de Outubro.  

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