A noite foi delas e dos tambores

Patricia Bastos e Sona Jobarteh mostraram no Pequeno Auditório do CCB, na noite de 6 de Novembro, a força e modernidade das suas tradições. África e Brasil numa noite de festa.

Fotogaleria
Sona Jonarteh com a kora num momento da sua actuação Fernando Bento
Fotogaleria
Patricia Bastos no palco do peqeuno Auditório do CCB Fernando Bento
Fotogaleria
Patricia e Sona com músicos, no final. À esquerda, Dante Ozzetti Clicia Vieira Di Miceli

Na mesma noite em que Jorge Palma revisitava O Bairro do Amor no Grande Auditório, a convite do Misty Fest, o Pequeno Auditório enchia-se com um público maioritariamente jovem para assistir a dois concertos vigorosos que acabaram por se tornar complementares: Sona Jobarteh, virtuosa tocadora de Kora da Gâmbia, e Patricia Bastos, do Amapá, Brasil. O festival era o mesmo, mas os sons eram decididamente outros. E vindos de bem longe.

Na Kora, essa extraordinária harpa africana, ou na guitarra acústica com cordas de aço, que foi alternando consoante os temas a que deu voz, Sona liderou com segurança e gosto uma banda com forte balanço rítmico e igual capacidade lírica, num apelo constante à dança. Em temas como Gainaako ou Bannaya, do seu recente disco Fasiya (lançado em 2014), Sona Jobarteh e o seu grupo mostraram a envolvência e o poder dos sons africanos, e a resposta da plateia, em forma de dança ou canto, confirmou o seu real impacto desse apelo. Durante o tempo que estiveram em palco, não houve tempos mortos: apenas a expressão, doce e vibrante, de uma África de perfumes arabizantes, na sua melancólica alegria.

A presença de Patricia Bastos, a seguir, não destoou da atmosfera. Pelo contrário. Se os tambores gambianos tinham mostrado a sua voz e os seus poderes, os amapaenses, aqui percutidos com sabedoria e nervo pelo Trio Manari, juntaram-se-lhes em igual patamar. Patricia, por seu turno, exibindo uma sensualidade contida e suave, jogou cinco cartas do seu disco Zuluza, que recebeu em 2014 o prémio para melhor álbum regional no Brasil: Zulusa, No laguinho, Canoa voadeira, Incantu e Rodopiado. Depois, revisitando outras canções, cantou Demônio de batom (do álbum Eu Sou Caboca, de 2009), Alguém total e Os passionais, ambas de Dante Ozzetti e Luiz Tatit, gravadas respectivamente por Ceumar e Mariana Aydar. Foi Dante Ozzetti, aliás, o seu único acompanhante nos dois últimos temas, ao violão, enquanto os restantes músicos se ausentavam do palco por uns instantes.

O romance trágico e melancólico de Mal de amor assinalou o regresso da banda, que no momento seguinte “atacou” a tempestade rítmica de U amassu i u dubradú, réplica (só na letra) de Teresinha de Chico Buarque, mas em corruptelas amapaenses destinadas a fazer vibrar os tambores do ritmo marabaixo e num vocal de velocidade alucinante: “U primeiro mé chegú/ cumo quem qué’ africar/ troxe dois baita tambú/ lá dé Mazagão dé lá.” A estes dois temas de Zulusa (ouviram-se nove dos 14, na noite) viriam a somar-se mais dois, já no final (Mais uma e Causou). Mas, antes, Patricia voltou ao “cofre” das criações da dupla Dante Ozzetti e Luiz Tatit para de lá retirar Achou! (que já titulou um disco de Ceumar).

Os muitos aplausos no final levaram à junção dos dois grupos e das duas cantoras em palco: Patricia chamou Sona Jobarteh e os seus músicos e, com o palco feito recinto de encontro e festa, cantaram e tocaram juntos Filho de uaranã, apropriado para tão singular união. Um final efusivo e dançante, de emoções e ritmos à flor da pele. A provar que, como ali disse Patricia indicando Sona, a “gente parla [sic] a linguagem musical”. Tudo tão ancestral e moderno como a pulsação da música nos seus rasgos mais puros. Ou África e Brasil numa noite de festa, que Portugal agradeceu com uma tempestade de aplausos.

Sábado, 8 de Novembro, o Misty Fest prossegue com vários concertos pelo país. Patrícia Bastos actuará em Espinho (Auditório de Música, às 21h30), Gisela João estará nas Caldas da Rainha (Centro Cultural de Congressos, 21h30), Patxi Andión em Aveiro (Teatro Aveirense, 31h20), e em Lisboa, no S. Jorge, haverá programa duplo: às 19h, os Couple Coffe apresentam Co'as Tamanquinhas do Zeca, com as participações da Rita Redshoes, Eneida Marta e João Gentil; e, às 21h30, Lura cantar Cesária Évora. Dia 9, domingo, é a vez de Maria de Medeiros cantar nas Caldas da Rainha (Centro Cultural de Congressos, 17h) e Buika se apresentar no CCB, em Lisboa, pelas 21h, actuando depois segunda-feira dia 10 na Casa da Música, no Porto (21h). Ainda dia 11, Rui Massena estará no CCB, às 21h. Terça-feira 11 é dia de Rodrigo Leão no Porto (Casa da Música, 21h) e de Kronos Quartet em Lisboa (Gulbenkian, 21h, com Amélia Muge como convidada). Dia 13 levará Rui Massena ao Porto (Casa da Música, 21h) e Celina da Piedade a Coimbra (Auditório do Conservatório, 21h30). Celina que, no dia seguinte, 14, rumará ao Porto, à Casa da Música (21h), enquanto em Sintra, a encerrar o Misty Fest, Pierre Aderne apresentará o seu novo disco, agora a chegar às lojas: Caboclo. Será em Sintra, no Olga Cadaval, às 22h.

Sugerir correcção
Comentar