A música portuguesa invade Groningen e isso é só um começo

O festival Eurosonic reúne anualmente agentes da indústria musical. É o mais importante evento do género na Europa. Entre esta quarta-feira e sábado, Portugal será o país em destaque, com 23 bandas presentes.

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Os Best Youth Diogo Baptista

Entre esta quarta-feira e sábado Groningen viverá uma agitação já familiar naquela cidade do nordeste da Holanda. Desde 1986 que ali se organiza um festival, o Eurosonic, que funciona como grande montra da música popular urbana europeia. É um festival para o público, obviamente, mas os seus objectivos vão além da fruição musical por parte da assistência. Durante quatro dias, Groningen atrai agentes, managers, promotores e representantes de festivais de todo o mundo, mas maioritariamente europeus, em busca de talentos, de nomes que possam acrescentar aos seus catálogos ou aos cartazes dos seus festivais.

Este ano, as atenções estarão centradas em Portugal, país escolhido pela organização como destaque da edição 2017 do festival. Estarão na Holanda 23 bandas portuguesas e os mais diversos agentes da indústria portuguesa. Ainda o Eurosonic não começara e Nuno Saraiva, da Why Portugal?, plataforma para a internacionalização da música portuguesa, e vice-presidente da Associação de Músicos, Artistas e Editoras Independentes (AMAEI), dizia ao PÚBLICO: “missão cumprida”.

Para aferirmos o impacto que pode ter a passagem pelo Eurosonic e a actuação perante os olhos atentos de agentes de todo o mundo, basta citar alguns nomes que, passando ali relativamente incógnitos, se tornaram pouco depois destaque no cenário musical. Aconteceu a James Blake, Benjamin Clementine, The xx, Anna Calvi e Stromae. Ou aos Buraka Som Sistema, que deram ali um passo decisivo para a internacionalização, e a Batida, a criação de Pedro Coquenão que, na sequência da passagem pelo Eurosonic, entrou directamente no roteiro de festivais europeus. Quando tal aconteceu, porém, Portugal tinha habitualmente apenas um nome em cartaz, indicado pela Antena 3, uma das várias rádios europeias parceiras do festival, a que, ocasionalmente, se juntava um segundo nome, fruto de convite directo da organização ou da intervenção directa do agente de um músico ou banda. Este ano, a realidade é, já se percebeu, diferente.

Pelas mais de três dezenas de espaços, entre bares, clubes, auditórios ou teatros no centro da Groningen, passará uma mostra ecléctica e abrangente do presente da música portuguesa, que se apresentará perante os cerca de 40 mil frequentadores do festival (entre os quais cinco mil profissionais da indústria). São eles Gisela João, :Papercutz, Batida, Marta Ren & The Groovelvets, Noiserv, Octa Push, Rodrigo Leão, Neev, Holy Nothing, Memória de Peixe, Moonshiners, The Gift, Sam Alone & The Gravediggers, Throes & The Shine, We Bless This Mess, Best Youth, Dj Firmeza, Glockenwise, First Breath After Coma, The Happy Mess, Emmy Curl, DJ Ride e os Beatbombers que aquele partilha com Stereossauro.

Além disso, haverá conferências centradas em Portugal, como aquela em que se fará uma panorâmica geral da história da nossa música, com a presença de David Ferreira, histórico responsável da EMI- Valentim de Carvalho, Márcio Laranjeira, da editora e promotora independente Lovers & Lollypops, e Pedro Coquenão (Batida), com moderação do jornalista e radialista Rui Miguel Abreu, ou uma outra dedicada aos festivais portugueses, com Vanessa Careta, da Música no Coração, Ricardo Bramão, da Associação Portuguesa de Festivais de Música (Aporfest), e José Eduardo Martins, da Ritmos – Nuno Saraiva recorda como há alguns anos, um dos responsáveis pelo Eurosonic, convidado do Talkfest, evento dedicado à discussão dos festivais de música, organizado pela Aporfest, se mostrou surpreendido com a existência de mais de 400 em Portugal: “não é muito comum um país com uma população de 10 milhões ter três milhões de festivaleiros e temos muito a ganhar se a indústria que trata dessa economia souber organizar-se bem”, aponta Saraiva.

Como se chegou aqui? Que vivemos um momento particularmente fértil em criatividade no cenário português é inegável, mas obter esse reconhecimento por parte do Eurosonic, considerado o maior evento do género da Europa exigiu um trabalho longo e concertado. A primeira vez que Nuno Saraiva sugeriu à organização do Eurosonic que Portugal poderia ser o país em destaque numa das edições do festival, a resposta foi desanimadora. “Responderam que não havia massa crítica, não em termos de artistas, mas de profissionais. Isto porque não viam muitos agentes portugueses no festival e o Eurosonic é uma conferência para profissionais”. Desde então, a criação de estruturas como as supracitadas AMAEI ou a Aporfest, bem como a Why Portugal, foram permitindo o nascimento de uma rede que aglomera actores de todas as áreas da indústria musical. “Como essas redes foram surgindo, lançaram-nos há dois anos o desafio” de suceder a um conjunto de seis países da Europa de Leste, em 2015, e à Islândia, em 2016.

Robert Meijerink, programador do festival, recebeu mais de 200 candidaturas. Quando a sua equipa terminou a primeira triagem, Nuno Saraiva recebeu um telefonema. “Estou muito entusiasmado e muito preocupado”, disse-lhe Robert. Entusiasmado com o que ouvira, preocupado por ter em mãos mais de 80 bandas, que teriam que ser inevitavelmente reduzidas às duas dezenas em cartaz. É por isso que Nuno Saraiva exclamou “missão cumprida” ainda antes de o festival começar. “Isto já é uma vitória, porque já perceberam que há qualidade para programar anualmente quatro ou cinco bandas portuguesas por ano”. E por outra razão, mais importante. “A grande utilidade é a circulação que permitirá aos artistas portugueses, com a entrada na base de dados do Europe Talent Exchange Program (ETEP)”, organismo que promove e apoia bandas e músicos na sua vida nos palcos do continente europeu.

Olhando para os nomes que compõem o contingente português, sobressai a sua diversidade musical (do fado de Gisela João à electrónica de :Papercutz) e etária (nomes emergentes, como DJ Firmeza ou Glockenwise, ao lado de Rodrigo Leão ou The Gift, com décadas de carreira). “O objectivo dos programadores é proporcionar novas oportunidades”, explica Nuno Saraiva.

“A escolha dos 23 finais, a partir dos 80 da primeira selecção, fez-se também pela métrica de utilidade pública e profissional. O Robert [Meijerink] viu a Surma [a música leiriense Débora Umbelino] no festival Reeperbahn, mas ela só tem um single e, portanto, talvez seja ainda cedo. Há outros com novos discos, como os Gift com o [álbum produzido por] Brian Eno, há o Rodrigo Leão com o disco com Scott Matthew [Life is Long] que tem potencial para tocar em mais países”.

Se Batida chegou ao Eurosonic e saiu de Groningen com viagem certa para nove festivais europeus, reflecte Nuno Saraiva, havendo agora 21 concertos oficiais, “se cada um desses artistas conseguir igual número de festivais será um crescimento exponencial”. Isso seria a segunda vitória do destaque português no Eurosonic 2017. Porque a missão já está cumprida.

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