A música de manhã

Quando somos novos ouvimos música à noite, fora de casa e muito alta e dançável, se tivermos sorte. Ou mesmo enquanto trabalhávamos pela noite fora com a música aos berros.

Entretanto envelheci e passei a ouvir música de manhã, muito alto, enquanto a minha amada e eu preparamos e tomamos o pequeno-almoço. Baixo a música para ler os jornais e as revistas do dia. E desligo-a para ler livros que precisam de silêncio porque ocupam toda a minha cabeça.

Cada manhã temos o prazer de escolher a música que vamos ouvir. Temos as nossas playlists infalíveis, claro, mas depressa se desgastam, pelo que só podemos recorrer a elas, no máximo, uma vez por mês.

De resto, temos de decidir, todos os dias, que álbum de que artista vamos ouvir. Quando eu era muito novo queria sempre ouvir discos desconhecidos de artistas desconhecidos. Mais tarde, quando aprendi a ter artistas preferidos, passei a querer ouvir, acima de tudo, as novas gravações que tinham feito.

Agora que sou velho dedico só um dia por mês para ouvir artistas novos de quem nunca ouvi falar. E quase nunca dou o esforço por recompensado.

Os muitos dias que sobram são dedicados a descobrir a música que, por ser antes do meu tempo, descurei por ter procurado a música que era mesmo minha contemporânea.

A música de manhã não é triste: é restauradora. Dantes complicava a ressaca das manigâncias da véspera. Hoje enriquece a alegria de achar que é quando acordamos que nos sentimos mais sóbrios.

E sensíveis.

 

 

 

 

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