Editores perdem o medo de apostar em literatura de peso

Durante esta semana deverão estar concluídos os leilões em que os editores portugueses estão a disputar algumas das obras mais badaladas na Feira do Livro de Frankfurt. São romances literários, alguns com quase 1000 páginas, e livros “fora da caixa”.

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O romance que Paul Auster está a escrever poderá chegar às 900 páginas Daniel Rocha

Um dos livros mais badalados na última Feira do Livro de Frankfurt já foi comprado para Portugal. Chama-se También esto pasará , é o segundo romance da catalã Milena Busquets, a quem já chamam “a Françoise Sagan do século XXI”, e teve os direitos adquiridos para Portugal pela editora Jacarandá do grupo Editorial Presença.

Simona Cattabiani (ex-editora da Civilização) foi das primeiras editoras portuguesas a fazer uma oferta e irá publicar o livro que estava a ser vendido como um romance sobre “perda, amor e sexo”.

Conta a história de Bianca, uma mulher de 40 e tal anos que depois da morte da mãe resolve viajar para Cadaqués, na Catalunha, para uma casa da sua família, com os filhos, os dois ex-maridos, o amante e um grupo de amigos. A escritora catalã é filha da famosa editora Esther Tusquets (1936- 2012) e o romance foi escrito pouco depois da morte desta. Por isso há quem diga que há algo de autobiográfico no livro, que também é descrito como uma mistura entre os célebres Bom dia tristeza, de Françoise Sagan, e O Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding.

Outro dos romances hot da 66ª edição da Feira do Livro de Frankfurt foi The Girls, da norte-americana Emma Cline, cujos direitos para adaptação ao cinema já foram comprados pelo produtor Scott Rudin, de A Rede Social. Não tem editor em Portugal porque o leilão ainda está a decorrer e várias editoras portuguesas estão na corrida. O negócio deverá ser fechado durante esta semana. “É um livro maravilhoso”, diz ao PÚBLICO a editora da Leya, Carmen Serrano (das chancelas Asa e Teorema), que já o leu. Narrado por Evie, uma adolescente de 14 anos que conhece Suzanne que a leva para uma comunidade hippie, anda à volta do culto de Charles Manson e do assassinato da actriz Sharon Tate mas eles nunca são nomeados. “Tem uma linguagem literária rebuscada e depurada e poética ao mesmo tempo. Dá-nos imagens tão fortes que tenho a certeza que vou ficar com elas na memória por muito tempo. Mas a sua grande qualidade é ser um romance que nos dá um retrato incrível dos Estados Unidos da América nos anos 1970”. Foi vendido para a Alemanha, França, Holanda, Brasil, Polónia e Itália e nos Estados Unidos será publicado pela Random House, que o comprou por dois milhões de dólares. A autora tem 25 anos, foi actriz, publicou ensaios e contos na The Paris Review, recebeu prémios e bolsas de estudo, fez recensões para a The New Yorker e tem como agente literário Bill Clegg, escritor que trabalhou em várias agências até abrir há dois meses a sua, a The Clegg Agency, e que é visto no meio como um novo Andrew Wylie, o mais poderoso agente do mundo editorial, conhecido como O Chacal. Tem 44 anos e um passado turbulento com drogas (crack) e álcool que contou em Portrait of an Addict as a Young Man: A Memoir e em Ninety Days: A Memoir of Recovery, dois dos seus livros.

O terceiro grande livro da feira é de não-ficção, ainda não está escrito, e foi comprado por 2,4 milhões de dólares pela editora americana Scribner, o que fez com que fosse disputado em vários leilões para vários mercados. Chama-se Grit: Passion, Perseverance and the Science of Success, de Angela Lee Duckworth que abandonou o seu trabalho de consultora na McKinsey para dar aulas de matemática em escolas públicas nos Estados Unidos e actualmente é professora assistente de psicologia na Universidade da Pensilvânia. É uma MacArthur Fellow, em 2013 foi convidadas das TED Talks e o vídeo da sua conferência tem mais de 5 milhões de visualizações. Defende que o Q.I. não é a única coisa que distingue os bons alunos dos maus, o sucesso não depende do berço ou do talento mas depende muito mais da tenacidade de cada um. É isso que vai demonstrar no livro.

Na área de não-ficção continuam os livros de história sobre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, com destaque para o mais recente livro de Anthony Beevor Ardenas.1944. Guilhermina Gomes, do Círculo de Leitores e da Temas & Debates, lembra também que se falava do novo livro Inventing Peace: a Dialogue of Perception, do realizador alemão Wim Wenders e da escritora australiana Mary Zournazisobre, que é um livro “fora da caixa” pois traz um código que permite que se vejam dois filmes de Wenders, Invisible Crimes e War in Peace, relacionados com o livro. Ela apostou na trilogia How to Live sobre o que é ser humano: How we are, How we break e How we mend, de Vincent Deary (psicoterapeuta e professor da Northumbria University) que está a fazer sucesso em Inglaterra.

Um Paul Auster novo
José Prata, outro dos editores da Leya, da chancela Lua de Papel, não viu nesta feira tendências novas. Confirma que havia muita histeria sobretudo em relação a The Girls e a Grit, já vendidos para o Brasil. “O que vi foi uma certa cristalização de uma tendência que já se desenha há algum tempo: os editores estão a apostar sem medo em romances literários grandes”, conta ao PÚBLICO. Em Portugal foi recentemente editado pela Bertrand o livro que venceu o prémio Man Booker no ano passado, Os Luminares, de Eleanor Catton que tem quase 900 páginas, e há ainda o caso de City on Fire, de Garth Risk Hallberg (colaborador regular da New York Times Book Review), que tem mil páginas, foi a sensação da Feira do Livro de Londres de 2013, e já está comprado pela Leya mas ainda não publicado.

“Nesta feira, a William Morris Endeavour estava a vender o livro The Familiar: One Rainy Day in May, de Mark Z. Danielewski, que tem cerca de 800 páginas, e é o primeiro de um conjunto de dez livros!”, diz José Prata. Na cabeça de Danielewski, que é o autor do best-seller House of Leaves, serão no total 27 livros e o primeiro vai sair nos Estados Unidos em 2015. A novidade destes livros é que em termos de mancha gráfica não têm texto corrido. “As fronteiras do livro estão a mudar”, acrescenta José Prata lembrando também o sucesso de outro livro parecido, S, do realizador J.J. Abrams (vencedor de um Emmy e ligado a séries como Lost) e de Doug Dorst publicado o ano passado nos Estados Unidos que traz anotações manuscritas nas margens e entre as páginas alberga postais, mapas, cartões, jornais, etc. 

São livros “fora da caixa”, como diz Carmen Serrano que sublinha que já “há algum tempo que não se via tanto entusiasmo na promoção de jovens autores e de literatura 'fora da caixa' na Feira do Livro de Frankfurt. E, correndo o risco de parecer facciosa, na abordagem mais séria à ficção escrita por mulheres (já não era sem tempo!).”

Outro dos grandes entusiasmos dos editores na feira foi pelo próximo livro de Paul Auster, ainda sem título. É um romance, uma saga familiar judia, e há imensa expectativa à volta dele porque os seus últimos livros eram de memórias. O escritor norte-americano ainda só escreveu a primeira parte do livro - que já tem 450 páginas - e os seus agentes apresentaram em Frankfurt um esquema detalhado do que se passará a seguir. “Ele tenciona terminar o romance em 2016”, diz Carmen Serrano, que publica as obras do escritor. “Nós estamos na fase final de negociação do livro e é um registo diferente do normal dele, até em termos de formato já que poderá chegar às 900 páginas. Mas não queria falar muito do seu conteúdo porque ele ainda não está escrito. O livro foi adquirido pela editora americana por um valor duas vezes e meia superior ao que tinha sido negociado o seu último romance Sunset Park. A voz dele está lá mas é um livro diferente do que ele tem feito. Estou muito curiosa”, acrescenta a editora, que adquiriu na feira o romance 10 horas e 4 minutos do poeta Ben Lerner, o autor de Leaving the Atocha Station, e que sairá na Teorema. Bem como The Underwriting, de uma jovem autora, Michele Miller, que é um cruzamento de House of Cards e de A Rede Social.

Quanto aos livros do Prémio Nobel da Literatura 2014, Patrick Modiano, que também foram dos mais disputados na feira, ainda não se sabe com quem irão ficar em Portugal. “A prioridade da Gallimard foi vender primeiro os direitos das reedições dos livros que já cá estavam publicados”, explica ao PÚBLICO Manuel Alberto Valente, da Porto Editora. “Só depois vão começar a negociar os direitos dos outros livros, como do seu mais recente romance Pour Que Tu Ne Te Perdes Pas Dans Le Quartier, com os editores dos diversos países”.

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