A imigração observada de vassoura na mão

Clean City coloca em cena cinco empregadas de limpeza de Atenas para falar sobre a imigração. Esta sexta-feira e sábado no Teatro Maria Matos, em Lisboa.

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Kathari Poli

Drita, Valentina, Mabel, Rositsa e Fredalyn não nasceram em Atenas. Chegaram à capital grega vindas de Albânia, Moldávia, África do Sul, Filipinas e Bulgária, à procura de uma vida melhor, com uma borracha aplicada ao seu passado. Em Atenas, começariam do zero. Pouco interessava se eram filhas de diplomatas, professoras de História ou qualquer outra coisa. E o zero, para todas elas, significou algo de muito simples: limpar as casas dos outros a troco de uma quantia que lhes permitisse a sobrevivência com condições mínimas.

Cada uma delas é o seu próprio retrato, mas também o retrato da imigração na base da sociedade local – a sua chegada em massa nos anos 90, ficamos a saber, foi decisiva para as gregas deixarem a casa e reclamarem uma posição igualitária.

As cinco mulheres que veremos no palco do Teatro Maria Matos, em Lisboa, esta sexta-feira e sábado, chamam-se Drita, Valentina, Mabel, Rositsa e Fredalyn. Não são apenas cinco actrizes que fingem responder por esses nomes. São cinco empregadas de limpeza escolhidas por Anestis Azas e Prodromos Tsinikoris, depois de entrevistarem mais de cinco dezenas de trabalhadores do sector, homens e mulheres. Decidiram, no entanto, recorrer apenas a mulheres em Clean City, peça apresentada no âmbito do programa Bom Dia, Atenas, desenhado em conjunto pelos teatros municipais Maria Matos e São Luiz.

“Depois de alguns meses de pesquisa”, conta ao PÚBLICO Tsinikoris, “descobrimos que no espaço público são sobretudo homens estrangeiros a assumir a limpeza, enquanto nos espaços privados, apartamentos e empresas, encontramos quase só mulheres imigrantes.”

O rastilho para a criação de Clean City começou pelo discurso político de grupos de extrema-direita e conservadores, que “começaram a dizer na esfera pública grega que era preciso limpar a cidade, limpar o país, limpar as ruas”.

Anestis e Prodromos limparam a xenofobia das declarações e decidiram tomar à letra a ideia da limpeza de Atenas, investigando quem realmente faz este trabalho. Reincidentes numa construção de teatro documental que recusa a ideia de casting, iniciaram a pesquisa através da empregada do seu cenógrafo e das pessoas que lhes eram próximas, afinando questões e recolhendo todo o material que depois ajudou a construir Clean City.

Depois, foi apenas uma questão de seleccionar as cinco mulheres com as histórias mais marcantes e que lhes parecesse poderem ter uma presença mais forte em palco. “E Valentina, que era uma cantora moldava quando chegou à Grécia e ainda hoje canta em muitas festas das comunidades moldava e romena”, conta Anestis, “acabou por ajudar as outras". "Mas é claro que ao escolhermos trabalhar com não actores é porque não queremos que representem, queremos que narrem as suas próprias histórias e as suas opiniões”, acrescenta.

Os dois encenadores estimam que 80 por cento daquilo que as cinco dizem em palco corresponde, de facto, às suas próprias histórias pessoais, acrescentados de algum material com que se sentem confortáveis e que respeita aos restantes depoimentos que foram recolhidos nas entrevistas. Fugindo sempre a qualquer vitimização.

Quando Prodromos ouviu uma outra empregada, que não participa no espectáculo, dizer-lhe “os gregos não compreendem que se nós, imigrantes, perdemos os nossos direitos laborais, os deles virão a seguir”, sabia que esta era uma declaração demasiado forte e universal para que ficasse de fora. Na Grécia, como aqui ou em qualquer outro lugar.

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