P. D. James: um talento literário ao serviço da ficção policial

Criadora do detective-poeta Adam Dalgliesh e decana do policial britânico, a escritora P. D. James morreu esta quinta-feira aos 94 anos.

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PD James fotografada em 2006 nos Book Awards em Grosvenor House, em Londres Rune Hellestad/Corbis

A escritora inglesa P. D. James, uma das mais apreciadas e talentosas autoras policiais contemporâneas, morreu esta quinta-feira na sua casa de Oxford, aos 94 anos.

Criadora do investigador-poeta Adam Dalgliesh, uma das últimas encarnações do detective gentleman, na linha do Lord Peter Wimsey de Dorothy L. Sayers, P. D. James enquadrava-se na tradição do policial dedutivo, popularizado por Sayers, Agatha Christie ou Margery Allingham nos anos 20 e 30, e distinguia-se pela qualidade literária das suas obras.

Era já nonagenária quando publicou, em 2011, uma divertida continuação de Orgulho e Preconceito, mimando convincentemente o estilo de Jane Austen e assombrando o idílio conjugal de Elizabeth Bennet e Mr. Darcy com um crime violento em Death Comes to Pemberley, publicado pela Porto Editora com o título Morte em Pemberley.

Numa entrevista dada à BBC em Novembro do ano passado, P. D. James dizia estar determinada a escrever uma última novela, mas a sua agente literária, Carol Heaton, está convencida de que nunca chegou a fazê-lo e que autora “andaria com a história na cabeça” mas não terá chegado a tentar passá-la ao papel.

A morte de P. D. James, que fora agraciada com o título honorário de baronesa James e era membro da Câmara dos Lordes desde 1991, foi já lamentada pelo primeiro-ministro David Cameron, que a considerou “um dos grandes escritores policiais”, cujos livros “entusiasmaram e inspiraram várias gerações de leitores”, e também por figuras do meio literário e da Igreja Anglicana.

A autora publicou o seu primeiro romance policial, Cover Her Face (O Enigma de Sally Jupp), relativamente tarde, em 1962, quando tinha já 42 anos, e precisava geralmente de três ou quatro anos para dar por concluído um novo livro. Um ritmo invulgarmente lento para os hábitos da ficção policial, e ao qual não será alheio um certo perfeccionismo de escrita, que tanto lhe atraía leitores sem uma fixação particular no policial, como podia afastar os leitores mais viciados em thrillers, que talvez se sentissem desapontados com romances que não lhes oferecessem três ou quatro revelações inesperadas só nas ultimas 20 páginas.

Com milhões de exemplares vendidos em todo o mundo, P. D. James começou a ser publicada em Portugal no início dos anos 80 pela Europa-América, que traduziu todos os 14 romances protagonizados por Adam Dalgliesh, do já referido Cover Her Face, centrado numa velha mansão de província, ao melhor estilo do policial britânico tradicional, a The Private Pacient (A Paciente Misteriosa), de 2008, que decorre numa luxuosa clínica de cirurgia plástica.

Phyllis Dorothy James nasceu em Oxford, em 1920, e era filha de um inspector fiscal que não tinha grandes posses nem via com bons olhos que as raparigas seguissem estudos superiores, de modo que deixou a escola aos 16 anos e foi trabalhar numa repartição de finanças.

Casou-se em 1941 com um estudante de medicina que se tornaria médico militar, Ernest White, com quem teve duas filhas. O marido participou na segunda guerra e regressou incapacitado para trabalhar: foi-lhe diagnosticada esquizofrenia e teve de ser várias vezes internado. Morreu em 1964. Obrigada a sustentar a família sozinha, o que também explica a sua revelação tardia como escritora, P. D. James estudou gestão hospitalar e empregou-se no serviço nacional de saúde britânico, no qual se manteve até 1968, quando passou para o ministério do Interior, tendo trabalhado entre 1972 e 1979 no departamento de polícia criminal.

Todas estas experiências profissionais lhe viriam a ser úteis na criação dos seus enredos, incluindo a sua passagem pelos serviços de saúde, onde se familiarizou com a burocracia hospitalar, evocada, por exemplo, em Shroud for a Nightingale (Mortalha para Uma Enfermeira), de 1971.

O seu livro de estreia foi escrito à noite e no transporte diário para o emprego. O sucesso comercial dos seus romances, muitos deles adaptados à televisão a partir dos anos 80, nunca a apressou e os seus fãs tiveram de se habituar a longos intervalos sem nenhum novo livro de James. Ela própria admitia que havia muito dela no calmo e introspectivo Adam Dalgliesh, um polícia que é ao mesmo tempo um discreto poeta moderno elogiado pela crítica, mas que tem o bom senso de não misturar essas suas duas dimensões.

Quase todos os livros de P. D. James recorrem a meios relativamente fechados: uma escola de enfermagem, uma editora londrina, como acontece em Original Sin (Pecado Original), de 1994, os paroquianos de uma igreja, em A Taste for Death (O Gosto da Morte), de 1986, ou o meio judicial, em A Certain Justice (Morte no Tribunal), de 1997.

Além da série protagonizada por Dalgliesh, a autora escreveu ainda dois livros que tem como heroína a detective Cornelia Gray: An Unsuitable Job for a Woman (Uma Estranha Profissão para Uma Mulher), 1972, e The Skull Beneath the Skin (Último Acto), 1982. E ainda três romances que não pertencem a nenhuma destas séries: Innocent Blood (1980), o já referido Morte em Pemberley, e ainda The Children of Men (Os Filhos dos Homens), 1992, um romance distópico cuja acção decorre em 2021 e imagina a humanidade afectada por uma infertilidade global. O livro foi adaptado ao cinema pelo realizador mexicano Alfonso Cuarón num filme de 2006, Children of Men, protagonizado por Clive Owen, Julianne Moore e Michael Caine.

Em 1971, escreveu um livro em que propõe uma nova solução para uma série de crimes reais ocorridos no início do século XIX, The Maul and the Pear Tree: The Ratcliffe Highway Murders, 1811, e aos 80 anos, em 1999, publicou um volume autobiográfico: Time to Be in Earnest: A Fragment of Autobiography (1999). Além de contos e artigos publicados em revistas, editou em 2009 um livro de ensaios sobre ficção policial:Talking About Detective Fiction.

Entre os autores policiais ingleses da sua geração, o prestígio de P. D. James só era talvez equiparável ao da bastante mais prolífica criadora do inspector-chefe Wexford, Ruth Rendell, dez anos mais nova e sua amiga de longa data.

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