A educação cinéfila de Wes Anderson para a geração YouTube

O autor de Grand Budapest Hotel escolheu e apresentou dois filmes da história do cinema a plateias sub-30. “É fantástico estar com pessoas que estão interessadas nas mesmas coisas”, disse.

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Wes Anderson fotografado em Cascais Daniel Rocha
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O realizador a sair da conferência de imprensa de terça-feira com Paulo Branco Daniel Rocha

Solução possível para a crise de público nas salas de cinema: pedir a Wes Anderson para mostrar os filmes da sua vida, mesmo que só os tenha descoberto no último ano ou dois.

Foi por ele, o realizador de Grand Budapest Hotel, que a geração YouTube enfrentou o dilúvio de proporções bíblicas que se abateu sobre Lisboa e arredores na segunda-feira à noite e rumou até ao Estoril para ver um filme a preto e branco de 1934 sobre uma criada tornada corista que casa com um milionário só para contrariar o homem que a ama. Em suma: um filme do tempo da Maria Caxuxa, se é que a geração YouTube sabe o que isso quer dizer. Quando o filme terminou, a primeira pergunta foi: “Adorei ver, tal como adoro os seus filmes. Que outros filmes recomenda?”

Paulo Branco convidara o realizador americano para fazer parte do júri dos filmes em competição no Lisbon & Estoril Film Festival, mas Wes Anderson propôs uma alternativa: apresentar dois filmes escolhidos por si, O Ouro de Nápoles (1954), de Vittorio de Sica, e Sadie McKee (1934), de Clarence Brown. Ele pertence a uma categoria de cineastas com um estilo tão distinto que os seus nomes se tornaram adjectivos – “scorseseano”, “tarantinesco” – e que são também cinéfilos ardentes que parecem ter prazer em partilhar essa paixão com o público.

“Apesar de terem sido feitos por outros realizadores, existe um sentimento de posse quando apresentamos filmes deste género. É um prazer mostrar um filme que outra pessoa tornou grande”, explicou Wes Anderson numa conferência de imprensa ao início da tarde de terça-feira.

Quando o filme de segunda-feira à noite terminou, Anderson esteve 50 minutos a responder a perguntas do público – sub-30, na sua esmagadora maioria, e tão confortável a falar inglês como se tivesse nascido na América de Wes. Muitos tinham feito trabalho de casa e trouxeram perguntas preparadas. Isso e a juventude da assistência parecem ter impressionado o realizador. Apesar de ter tido lugar no imenso auditório do Centro de Congressos do Estoril, ao lado do casino, o encontro teve a intimidade dos espaços pequenos. Talvez porque, como disse Wes Anderson aos jornalistas no dia seguinte, “é fantástico estar com pessoas que estão interessadas nas mesmas coisas”.

O realizador só tinha visto O Ouro de Nápoles e Sadie McKee uma vez antes de apresentá-los no festival. “São dois filmes que descobri recentemente. Não são muito populares. Não conheço assim tanta gente com quem poderia falar sobre eles”, explicou. Eles não são como os Truffaut, Godard, Fellini, Bergman e Kurosawa que ele descobriu nos anos 80 e 90 e que o fizeram querer fazer cinema. 

Wes Anderson esteve presente noutras sessões do festival – por exemplo, quando Abel Ferrara apresentou o seu Pasolini no Estoril, domingo à noite. Dois cineastas que parecem ter pouco em comum e, no entanto, Ferrara parecia ansioso por saber a opinião de Wes sobre o seu filme, ao ponto de lhe perguntar, alto e bom som, no encontro com o público que se seguiu, o que ele tinha achado. “I liked it very much!”, gritou Wes do meio da sala. (Ferrara passara os últimos dez minutos a dialogar com um jovem espectador na sala que ele julgava ser Wes Anderson por causa do timbre de voz). Paulo Branco dirá que o seu festival também serve para este tipo de encontros entre pares improváveis.

Ao vivo, Wes Anderson é exactamente como se imagina. Exactamente: nem mais alto ou mais baixo, nem mais ou menos magro. A pele de cera, o nariz afilado, os olhos pequenos, o cabelo liso até aos ombros, agarrado atrás das orelhas como uma cortina aberta. Se o cabelo fosse curto, não pareceria ter mais do que vinte-e-muitos (Wes tem 45).

Veste-se como um dandy (mas, atenção, um dandy sereno, gentil), preferencialmente com um fato de bombazina – cor de açafrão na segunda-feira à noite, azul na conferência de imprensa. “Quando era pequeno e via um filme de que gostava muito tentava sempre vestir-me como as personagens que me interessavam”, disse o realizador de Os Tenenbaums e Moonrise Kingdom na conferência de imprensa.

Os seus filmes irradiam nostalgia – por mundos desaparecidos, pela infância. São fantasias criadas em estúdio com um detalhe quase maníaco, quase artesanal, usando métodos caídos em desuso: Anderson ainda filma em película; O Fantástico Senhor Raposo (2009) é uma animação em stop-motion, técnica que foi usada em 1933 para movimentar King Kong (“Não sei se se pode fazer stop-motion sem haver nisso um pouco de nostalgia”, disse). Não parece haver nada leve ou rápido na forma como faz filmes – e no entanto é um cineasta popular junto da geração digital. O YouTube está repleto de vídeo-tributos e paródias filmadas à la Wes Anderson que se tornaram virais.

O realizador não tem propriamente uma explicação para isso (“Não faz grande diferença, tudo acaba por se tornar digital, e no fim de contas estamos a lidar com ficheiros de computador”, diz), mas em alternativa oferece isto: “É complicado porque adoro coisas como miniaturas e dispositivos teatrais – coisas que permitem ao espectador ver como é que o filme foi feito. Mas não quero que as pessoas se sintam menos agarradas à história por estarem a ver esses truques. Fico sempre um pouco preocupado com isso”, disse na conferência de imprensa. “Decido fazer algo que sei que vai parecer uma fantasia e não um documentário. Mas quero que os espectadores sintam como se estivessem a ver um documentário. Quero que sintam que a perseguição de ski que estão a ver é real. Mas depois nunca parece real. Parecem marionetas ou algo do género. Sinto uma espécie de conflito interior em relação a isso”, confessou Wes.

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