A despedida chegou com a chuva habitual e com um furacão chamado Fuzz

O adeus do Vodafone Paredes de Coura testemunhou um furacão chamado Fuzz. Uma derradeira memória a guardar do ano em que o festival encheu como nunca antes, sem com isso perder a sua identidade. O regresso em 2016 está marcado. Aponte-se a data: de 17 a 20 de Agosto

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Concerto dos Fuzz PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Ambiente no concerto dos Fuzz PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto dos Holy Nothing PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto dos Natalie Prass PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto dos Ratatat PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto dos Woods PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto dos Lykke Li PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto dos Ratatat PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto dos Ratatat PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Ambiente Ratatat PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Sylvan Esso PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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The War on Drugs PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Ambiente no concerto dos Temples PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Ambiente em paredes de Coura PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto da Banda do Mar PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Ambiente no concerto dos Woods PAULO PIMENTA / PÚBLICO
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Concerto dos Temples PAULO PIMENTA / PÚBLICO

Lotação esgotada pela primeira vez. 25 mil pessoas por dia. 2015 ficará na história do Vodafone Paredes de Coura. Pela maior enchente de sempre, claro, mas também pela forma como os Tame Impala conquistaram e foram conquistados pelo público, pelo concerto arrepiante do imenso Charles Bradley ou pela aparição desse desconcertante Father John Misty. Sábado, último dia de festival, o dia em que o clima fez questão de cumprir a tradição que diz que, havendo Paredes de Coura, haverá chuva, juntámos a esses nomes o dos Fuzz ,do endiabrado Ty Segall.

O dia começara a ameaçar chuva. O céu cinzento não enganava e, ao início da tarde, os donos das pequenas lojas da vila com impermeáveis em stock esfregaram as mãos perante a perspectiva de bom negócio. O dilúvio foi, felizmente, razoavelmente moderado (a chuvada a sério estava guardada para o dia seguinte, este domingo) e, a meio da tarde, viu-se, por fim, o sol irromper entre as nuvens.


Em palco, a Banda do Mar de Marcelo Camelo, Mallu Magalhães e Fred Ferreira a cantar “eu vou até ao dia clarear”, o público a cantar igualmente e o clima de Paredes de Coura a cumprir os desejos do vocalista. No momento em que Marcelo sobe até ao estrado do baterista, onde já estava Mallu, Fred salta da bateria e o baixista e guitarrista que acompanham o trio mantêm a melodia enquanto os três criadores da Banda do Mar se abraçam, num gesto tão bonito quanto espontâneo.

João Carvalho, da Ritmos, a promotora do Vodafone Paredes de Coura, não assistira ainda àquele momento quando afirmou ao PÚBLICO que este é um “festival de afectos”. Disse-o quando, em balanço, recordou a forma como Charles Bradley “foi abraçado pelo público de forma tão comovente e genuína, como se fosse um avô, um familiar”. Vê aí “uma metáfora perfeita do que é o Vodafone Paredes de Coura”. Um festival de afectos. No fim da edição 2015, não temos como não concordar.

Cheio como nunca
O Vodafone Paredes de Coura esgotou e esteve cheio como nunca na sua história de 22 anos. Para João Carvalho, o facto histórico não será um peso adicional para as futuras edições – a de 2016 acontecerá entre 17 e 20 de Agosto. “Não queremos ficar presos ao facto de ter esgotado este ano”, diz o co-fundador da Ritmos. Não quer igualmente que cresça além da dimensão que tem neste momento, atraindo 25 mil espectadores, 20% deles vindos do estrangeiro, principalmente de Espanha, Inglaterra, França e Bélgica. “Aumentá-lo nunca”, afirma.

A atenção dos organizadores estará, portanto, concentrada “no pormenor”: “Mais chuveiros no campismo”, por exemplo – “este ano já se notou essa necessidade”, refere. Acrescentamos a preocupação em minorar os efeitos do pó que, sob a pressão das dezenas de milhares de pés andando, pisando, saltando sobre a relva, teve aparição quase inédita no anfiteatro natural de Paredes de Coura. Ou perceber como, num festival em que há naturalmente cabeças-de-cartaz, mas em que o público conhecedor e atento encontra muitos outros motivos de interesse para além deles, se poderão minorar os efeitos das enchentes que, no palco Vodafone FM, levam o público a transbordar dos limites e a assistir aos concertos a grande distância de onde a acção se desenrola, inevitavelmente com a visibilidade reduzida e o impacto do som atenuado – aconteceu com os Pond, na quinta-feira, e aconteceu com os Fuzz, no sábado. 

 

Recuando no tempo ao início da preparação da edição de 2015, João Carvalho recorda que “a intenção, como nos anos anteriores, era manter a coerência da programação do festival”, numa construção dinâmica, aberta ao imprevisto de oportunidades de última hora. “Estávamos quase a fechar o cartaz e surgiram Ratatat ou a Lykke Li. E no dia da recepção [quarta-feira] apareceu a hipótese dos TV On The Radio. Quem diz não a TV On The Radio?” Não o disse o público. Tal como não disse não aos Ratatat, que tiveram honras de encerramento das actividades no palco principal, suscitando um festim dançante iluminado a raios laser, tão luminosos e faiscantes quanto a música efervescente do duo nova-iorquino, curioso híbrido orgânico-digital que atira para a estratosfera (ou para a realidade paralela de Tron, ou para um século XXII por chegar) as experiências psicadélicas de décadas passadas.

Quando o grupo se despediu da multidão que dançara tudo o que podia, porque as despedidas são difíceis e o povo não queria que a festa acabasse, o Vodafone Paredes de Coura entrava na sua recta final. O adeus estava a chegar e, na memória deste último dia, ficará a graciosidade descontraída de Natalie Prass, que nos embalou à tarde com canções de uma leveza soul onde entrevemos Dionne Warwick como figura tutelar. Tal como ficará a dualidade do actual psicadelismo britânico e americano.

Primeiros, os americanos Woods, folk-rock a rondar as divagações Grateful Deadianas, deixaram as canções fluírem livres, ao sabor do momento – e foram muito convincentes ao fazê-lo. Mais tarde, noite já caída sobre Paredes de Coura, os britânicos Temples, apoiados em Sun Structures, o álbum de estreia, subiram a palco com pinta de estrelas rock, primorosamente aprumados, como Marc Bolan aparecia sempre primorosamente aprumado (e é impossível não pensar no líder dos T. Rex quando se vêm os caracóis e o casaco dourado cintilante do vocalista James Bagshaw).

Caiu bem na noite de Coura o psicadelismo barroco dos Temples, equidistante das canções iluminadas dos Zombies, dos Floyd mais dados à divagação e da imaginação febril de sonhadores de Canterbury como os Caravan. Sob tudo isto, estão canções pop e electricidade rock’n’roll, e o público celebra-o como celebra sempre em Paredes de Coura – agitação na zona de mosh e de crowd-surf.

Mais tarde, naquele mesmo palco, Lykke Li comprovaria que a sua música, como constatado no último I Never Learn, se encontra hoje nos terrenos pantanosos de um synth-pop de refrão açucarado e descartável. Enquanto a chuva voltava a marcar presença, a cantora sueca protagonizou um momento de pausa na sequência rock/alucinação que marcou o último dia de festival. Porque depois dos Woods e dos Temples no palco principal, passou um furacão pelo palco Vodafone FM.

Ty Segall é por estes dias um dos grandes embaixadores do rock’n’roll que interessa. Ty Segall, como sabemos, não consegue estar parado. Em nome próprio, edita álbuns a uma cadência impressionante. Pelo meio, decide, por exemplo, pôr a guitarra a um canto, convocar Charlie Moothart (guitarra) e Chad Ubovich (baixo) para o acompanharem e sentar-se à bateria. Assim nasceram os Fuzz, assim gravaram um álbum homónimo, assim estiveram no Vodafone Paredes de Coura. Assim: os riffs mastodônticos dos Blue Cheer atirados para a galáxia Jimi Hendrix, a majestosidade dos Black Sabbath expandida em jams de intensidade crescente, obra de um power trio avassalador que toca com urgência contagiante.

Lá atrás, Ty Segall, mostra ser tão dotado na bateria quanto na guitarra e comanda as operações atacando cada canção como se fosse a última, a mais importante. O prazer que a banda demonstra por estar ali é tão evidente que imaginamos que, caso não houvesse horários para cumprir e outros grupos para tocar, ainda estaríamos agora a ouvir tudo o que os Fuzz tinham para nos oferecer. Foram uma derradeira memória para guardar do ano em que o Vodafone Paredes de Coura se preencheu de gente como nunca. Essa a novidade. Quanto ao resto, Paredes de Coura foi Paredes de Coura. E não queremos que mude.

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