A dança mutante do admirável mundo novo

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Aakash Odedra é altamente versátil Chris Nash

Nascido em Birmingham há 30 anos, e de ascendência asiática, foi entre a Índia e o Reino Unido que Aakash Odedra aprendeu, desde criança, os tradicionais kathak e bharatatyam. Só recentemente, pela mão do coreógrafo britânico de origem bengali Akram Khan (n.1974), tem vindo a expandir estas expressões performativas de origem ritual, hoje consideradas variantes da dança clássica indiana, e a acercar-se do “contemporâneo” euro-americano.

Rising é um programa de quatro curtos solos, do próprio, de Akram Khan (que veremos em Dezembro no Centro Cultural de Belém) e de nomes de gabarito: o belga-marroquino Sidi Larbi Cherkaoui (n.1976), protagonista da vaga flamenga formada na escola P.A.R.T.S., e o inglês Russell Maliphant (n.1961), cuja trajectória ecléctica inclui o emblemático DV8 Physical Theater ou uma peça para a icónica bailarina Sylvie Guillem. Tal naipe, reunido para a inauguração da Aakash Odedra Company (2011), atesta as expectativas depositadas num Odedra em ascensão na dança actual

A ligar solos, muito distintos entre si, o fio subtilmente tecido a partir do belíssimo desenho de luz de Michael Hulls num ambiente cénico enevoado, em tons ocre e cinza. Em Nritta (o elemento abstracto de dança clássica indiana, de intrincados passos percutidos e sequências rítmicas) Odedra esteve próximo da matriz coreográfica e musical tradicional, mas tornou mais fluidos os padrões angulares do bharatanatyam de modo extremamente virtuoso e livre, com extáticos movimentos do tronco e inesperadas suspensões e mudanças de direcção no espaço, embora a desejada alusão aos ciclos cósmicos de afastamento/união do feminino (parvati) e masculino (shiva) fosse menos perceptível.  

Este ponto de partida seria desconstruído nos solos seguintes. In the Shadow of Man (Khan), inspirado na tradição kathak - onde qualidades expressivas de animais servem a teatralização de parábolas - é um estupendo exercício de transfiguração: um feixe de luz sobre o movimento das omoplatas dissolve os traços humanos; Odedra metamorfoseia-se em ave, felino, insecto ou símio.

A música electrónica e a notável iluminação marcam Cut (Maliphant): em velocidade acelerada ou contida, o intérprete rodopia como um dervixe através de sucessivas campânulas de luz, até se apagar na escuridão e a tensão se resolver, num sublime epílogo a deixar apenas visíveis as mãos e o delicadíssimo movimento dos dedos. Com um início deslumbrante e um desfecho menos inesperado, em Constellation (Cherkaoui) Odedra vagueia com fluência quase onírica por entre inúmeras lâmpadas que parecem flutuar num espaço sideral, para terminar em meditativa posição de lótus.

A dança de Odedra é excepcionalmente versátil, focada e carismática. Exemplares pela liberdade imensa com que lidam com múltiplas heranças e se esquivam ao território minado das expectativas pré-determinadas entre “ocidente” e “oriente”, estes solos, de tão envolventes, quase nos souberam a demasiado breves. Pertencem a um entre-lugar, a um género mutante, bem o fruto das novas identidades artísticas a emergir num mundo de demografia migrante e globalizada.

 


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