A colecção a tentar falar connosco

Exposição que problematiza, timidamente, a relação dos artistas com a natureza, é a primeira de uma série temática que terá como foco as obras da colecção de arte da Fundação EDP.

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A tensão entre o “mundo” natural e o mundo dos homens podia ter sido explorada com profundidade mais atenta e generosa

Quando faltam três meses para a inauguração do seu novo edifício, o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia revela na colectiva Segunda Natureza um modo de exibir a colecção de Arte Fundação EDP. Revistando as obras, a fim de salientar significados e sentidos que possam estabelecer outras relações, dir-se-ia mais mundanas, com os espectadores. A finalidade explicita-se no texto de Pedro Gadanho, director do MAAT, publicado no pequeno catálogo da exposição: quer-se ouvir a colecção, “para além dos valores de mercado e das discussões da história de arte”, extrair dela “um valor mais significativo da sua acumulação de objectos artísticos”, permitir que ela “fale” (connosco) sobre os temas da contemporaneidade.

Em Segunda Natureza, com a curadoria de Luísa Especial, a escolha do tema é inspirada por dois fenómenos correlacionados: a relação cada vez mais instável dos homens com a natureza e a transformação a que a temos sujeitado, desde o século XX, enquanto ideia, conceito e realidade. Ressalve-se que esta abordagem é indissociável dos anseios e das inquietações trazidas pelos debates em torno do Antropoceno, termo cunhado por alguns cientistas para descrever uma nova era geológica: aquela em que vivemos, quando as actividades humanas começam a produzir um impacto significativo no equilíbrio e sobrevivência do planeta.

É no espaço desenhado por estas questões que as obras são colocadas, mas, como a curadora sublinha, isso não significa que todas tenham “um ênfase ambientalista, preocupações ecológicas ou que respondam aos debates correntes sobre o Antropoceno. Vejam-se, por exemplo, as obras de Fernando Calhau, Luísa Correia Pereira, José Loureiro ou Jorge Martins. Os seus títulos aludem a elementos naturais, mas constituem-se, sobretudo, como transfigurações desses elementos, por meio do desenho ou da pintura. Assumem a cultura humana (enquanto mundo ao qual pertence a fabricação de objectos artísticos), e não tanto a natureza, como sua principal interlocutora. Já as pinturas de João Queiroz, Pedro Vaz ou Michael Biberstein deixam ver uma outra sensibilidade ou aproximação ao mundo natural. O que nos mostram são experiências sensíveis e reificadas da paisagem, da luz, da neblina, das montanhas. Mas são, também, sublinhe-se, produtos do artifício humano, asseguram a durabilidade e permanência do mundo. Não fazem a apologia de uma imersão na natureza, não propõem uma indistinção entre a cultura e a natureza.

Embora presente em Segunda Natureza, esta tensão entre o “mundo” natural e o mundo dos homens, podia ter sido explorada com uma profundidade mais atenta e generosa. De que realidades nos falam as propostas de Alberto Carneiro e Gabriela Albergaria e as de João Grama e Maria Lusitano? Serão as mesmas? O que as aproxima, o que as afasta? Nem sempre estes confrontos se revelam. É como se as obras acabassem, afinal, por impor a sua autonomia face ao tema ou aos tópicos que estiveram na origem da sua reunião. Se há perguntas que aparecem nas fotografias de Valter Vinagre, nos vídeos de Miguel Soares ou de Pedro Vaz, nas instalações de Vasco Araújo ou na peça de Susanne S. D. Themlitz, raramente são ditas com a força e a clareza necessárias para serem ouvidas. Enunciem-se algumas: abriga-nos a arte das ameaças da natureza, consola-nos da nossa própria mortalidade? Ou pode ela contribuir, pela destruição que exige ao ambiente natural, para o fim da vida que nos liga à natureza?

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