A caminho da América

Um filme modesto, mas uma modéstia, e um filme, em que se pode acreditar um pouco para além da sua agenda temática.

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Um dos maiores sucessos de estima do cinema mexicano recente, A Jaula de Ouroé um exemplar curioso de declinação moderna da lição neo-realista.

Austero e sóbrio, com uma porção de fantasia (ou “poesia”) remetida para um imaginário em contraponto “mágico” (aqui, os flocos de neve com que as personagens, sempre em paisagens sequíssimas, sonham), aliás como acontecia nalguns casos célebres do neo-realismo propriamente dito (o Milagre em Milão de de Sica, por exemplo). O filme de Quemada-Diaz foca uma questão já abordada, de todas as maneiras e feitios, em incontáveis outros filmes: a miséria centro-americana, a imigração clandestina para os Estados Unidos.

Aqui é um grupo de miúdos guatemaltecos que, via México (e depois com a ajuda de um mexicano), tenta chegar à “terra prometida”. Mais do que a dificuldade de cruzar a fronteira americana, o filme dá a ver o caos mexicano – a corrupção, a brutalidade policial, as máfias, os oportunidades – numa espécie de “via crucis” que praticamente não deixa por tocar nenhuma das malfeitorias de que um grupo de miúdos “olvidados” à deriva pode ser vítima.

Se, por esse lado, o filme não evita uma excessiva exemplaridade (“de catálogo temático”, dir-se-ia), é inevitável reconher-lhe a secura, a ausência de efeitos, a maneira como contorna a armadilha do choradinho melodramático sem nunca manobrar o espectador, sem lhe pedir lágrimas, piedade ou compaixão para as personagens. Esta espécie de “imanência”, que faz com que tudo, e muito especialmente os actores, apareça bem plasmado nas paisagens naturais e sociais que o filme atravessa, não é um dado assim tão comum nem algo que se encontre hoje com muita facilidade. Dá um filme modesto, mas uma modéstia, e um filme, em que se pode acreditar um pouco para além da sua agenda temática.

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