A arte contra o (anunciado) regresso da Guerra Fria

Exposição Ícones da arte moderna. A Colecção Chtchoukine é inaugurada este fim-de-semana na Fundação Louis Vuitton, em Paris.

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Exposição na Fundação Louis Vuitton MARTIN BUREAU/ AFP

O contexto geopolítico já não é o mesmo de Fevereiro deste ano, quando a Fundação Louis Vuitton (FLV) assinou em Moscovo um protocolo de colaboração com os museus Hermitage (São Petersburgo) e Púchkin (Moscovo) com vista a uma colaboração de longo alcance entre as diferentes instituições.

Para trás ficavam dois anos de negociações e a bem-sucedida exposição Les clefs d’une passion (Chaves de uma paixão), que em 2015 tinha mostrado em Paris mais de meia centena de obras-primas da arte europeia da primeira metade do século XX. No horizonte, anunciava-se a realização de uma nova exposição, Icônes de l'art moderne. La collection Chtchoukine (Ícones da arte moderna. A Colecção Chtchoukine), que retomava a parceria da FLV com os dois grandes museus russos.

Entretanto, o desenvolvimento da guerra na Síria e a tensão no Médio Oriente trouxeram o espectro de um novo clima de Guerra Fria e, ao contrário do que inicialmente estava previsto, o Presidente russo Vladimir Putin não vai deslocar-se esta semana a Paris, onde deveria encontrar-se com o seu homólogo francês François Hollande, e também presidir à abertura de um centro ortodoxo e à inauguração da exposição da Colecção Chtchoukine na fundação instalada no Bosque de Bolonha, no icónico edifício projectado por Frank Gehry.

Mas o poder da arte continua a sobrepor-se aos contextos políticos, e a exposição Ícones da arte moderna. A Colecção Chtchoukine vai mesmo ser inaugurada este sábado, dia 22 – anuncia a AFP. Na abertura não estará presente Vladimir Putin, mas esta quinta-feira é esperado o seu ministro da Cultura, Vladimir Medinsky, para uma visita prévia à exposição que vai dar a conhecer em Paris o património que o empresário, negociante e coleccionador de arte russo Serguei Ivanovitch Chtchoukine (1854-1936) constituiu na viragem dos séculos XIX-XX, reunindo um acervo único de pintura desde o impressionismo até ao modernismo, especialmente em França.

Do conjunto de 127 obras que agora vão ser mostradas na capital francesa, destacam-se 29 Picassos, 22 Matisses e 12 Gauguins, ao lado de outras obras-primas de Monet, Cézanne, Rousseau, Derain, Degas, Renoir, Toulouse-Lautrec ou Van Gogh.

“Com esta colecção de arte francesa, que é a mais radical do seu tempo, Serguei Chtchoukine colocou-se no epicentro da revolução das artes”, disse à AFP Anne Baldassari, comissária da exposição. “É um dos raros coleccionadores do cubismo no momento em que ele se produzia”, acrescentou Baldassari, ex-directora do Museu Picasso de Paris.

Em paralelo, e em diálogo com estes mestres, a FLV mostra o impacto que eles tiveram junto dos movimentos cubo-futuristas, suprematistas e construtivistas russos, com uma selecção de três dezenas de obras de artistas da vanguarda deste país, como Malevitch, Rodtchenko, Larionov, Tatline, Popova ou Rozanova, provenientes dos dois museus russos e também da galeria Tretiakovg, em Moscovo, do MoMA, de Nova Iorque, do Stedeljik Museum, de Amesterdão, e do Museu de Arte Contemporânea de Salónica.

Arte aberta ao público

Para entender esta relação, importa lembrar que a Colecção Chtchoukine foi criada na sequência dos contactos que o seu patrono estabeleceu, em Paris, com artistas como Matisse e Picasso, e com negociantes de arte como Paul Durand-Ruel, Ambroise Vollard ou Berthe Weill. Guardando as pinturas no seu Palácio Troubetskoï, em Moscovo, Chtchoukine abria as suas portas a quem as quisesse visitar, primeiro aos domingos de manhã, depois três dias por semana.

Depois da Revolução russa de 1917, a colecção foi nacionalizada, por decisão de Lenine – que fez o mesmo com a colecção de outro grande empresário e coleccionador russo, Ivan Abramovitch Morozov (1871-1921). Com ambos os acervos, em 1920, foi fundado, em Moscovo, o Museu Nacional de Arte Moderna Ocidental. Mais tarde, em 1948, Estaline extinguiu-o e dispersou o espólio entre os museus Hermitage e Púshkin.

Acompanhada pela edição de um catálogo, a exposição Ícones da arte moderna. A Colecção Chtchoukine vai ficar patente em 14 salas da FLV até 20 de Fevereiro de 2017, mês em que terá lugar também em Paris um simpósio que reunirá investigadores internacionais sobre este período e também sobre o papel dos grandes coleccionadores na história da arte moderna e contemporânea.

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