A arquitectura portuguesa nos anos da troika

Exposição inaugural Habitar Portugal 12-14 abre esta quinta-feira no Porto, e vai depois correr o país até final de 2017.

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O piso superior da Galeria Municipal do Porto parece um estaleiro de obra com 14 andaimes cheios de projectos de arquitectura Nélson Garrido

“Está a arquitectura portuguesa sob resgate?” Quem visitar a exposição Habitar Portugal 12-14, que esta quinta-feira é inaugurada na Galeria Municipal do Porto (ao Palácio de Cristal), poderá ser levado a acreditar que a troika não afectou a produção arquitectónica portuguesa no triénio 2012-14, tal é a variedade, originalidade e qualidade dos 80 projectos apresentados.

“O resultado deste trabalho foi, de facto, um bocado surpreendente”, nota Luís Tavares Pereira – que com Bruno Baldaia e Magda Seifert comissaria esta iniciativa da Ordem dos Arquitectos (OA) ­–, na visita em que guiou o PÚBLICO, na véspera da inauguração. Realçando a “qualidade absolutamente ímpar” manifesta nos trabalhos aqui apresentados, o arquitecto, curador e crítico ressalva, no entanto, que o verdadeiro retrato da situação da arquitectura portuguesa dos anos em que o país esteve sob resgate só poderá ser traçado no final de 2017, quando se concluir o programa de itinerância pelo país e o extenso calendário de actividades – visitas guiadas, conferências, debates, oficinas, sessões de cinema… – que vai acompanhar Habitar Portugal 12-14.

Inicialmente, a 5.ª edição desta iniciativa que a OA promove desde 2003 (relativa ao triénio 2000-02) deveria ter sido inaugurada em Lisboa, no passado mês de Outubro. O facto de a exposição inicial se realizar agora, e primeiro no Porto, “foi uma conquista do Paulo Cunha e Silva”, diz Bruno Baldaia, lembrando o desafio que o ex-vereador da Cultura desta cidade, desaparecido em Novembro, lançou à OA no sentido de apostar num programa mais ambicioso, que irá passar pela realização de várias iniciativas paralelas, como as conferências e o ciclo de cinema (comissariado pelo britânico Justin Jaeckle), no auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no mesmo edifício da galeria.

Diferentemente também das edições anteriores, a Habitar Portugal 12-14 vai percorrer o país com sucessivas actualizações e adaptações dos elementos da exposição aos lugares e regiões por onde vai passar – até ao final deste ano, e depois do fecho da mostra no Porto a 25 de Abril, o calendário já definido incluirá Coimbra (Maio), Viseu (Julho), Évora (Setembro) e Lisboa (Outubro).

“Quisemos fazer parcerias com as instituições dos 13 outros lugares de acolhimento da exposição, e temos a expectativa de que a do Porto seja um ponto de partida para a pensar e depois adaptar a cada uma das regiões por onde irá passar”, diz Magda Seifert.

Quando chegar à capital, é provável – admite Luís Tavares Pereira – que possa sair o catálogo num número especial do Jornal Arquitectos. E nessa altura, é seguro que poderá já ser consultada, no site da OA, informação documental fundamental não apenas sobre a presente exposição como sobre as quatro edições anteriores.

“Este é o grande projecto da OA de ligação da arquitectura com a sociedade portuguesa; e é também um esforço para criar momentos de debate, através de várias actividades que são fundamentais para aumentar a reflexão em torno da disciplina”, nota Luís Tavares Pereira.

Como um estaleiro de obra
Quem entra no piso superior da Galeria Municipal do Porto fica com a impressão de estar a atravessar um estaleiro de obra a cenografia é assinada pelo And Atelier (de João Araújo e Rita Huet) , fazendo um percurso por entre 14 andaimes rodeados por uma parede de ecrãs vídeo e outra que o comissário apresenta como uma “evidence wall”, uma espécie de “palimpsesto” de documentos, fotocópias, fotografias e outra documentação que faz a história da arquitectura portuguesa do novo milénio.

Os andaimes sustentam 80 projectos relativos a seis regiões: Norte e Sul, áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, as ilhas e o estrangeiro. E se no conjunto é possível verificar um dos efeitos da crise e da troika, nomeadamente “uma maior presença de trabalhos de natureza social e temporária”, realça Luís Tavares Pereira, a diversidade e o cruzamento de gerações é outra nota visível neste levantamento.

Alguns exemplos: os dois primeiros andaimes dedicados à área metropolitana do Porto abrem com o projecto de recuperação de um edifício oitocentista, transformado em dois pequenos apartamentos pelo Colectivo Mel (Ana Baptista + Hugo Dourado + Basílio Boécio), e com a recuperação do espaço público do Bairro do Lagarteiro pelo arquitecto de Lisboa Paulo Tormenta Pinto (Prémio IHRU 2012).

Dois projectos de mobilidade marcam o andaime relativo a Lisboa: uma travessia para peões e bicicletas na 2.ª Circular, promovida pela Experimenta Design e assinada pelo MXT Studio (Maximina Almeida + Telmo Cruz), e a ligação pedonal entre o metro do Chiado e o Castelo de São Jorge, assinada por Falcão de Campos.

Há a casa própria de Carlos Antunes e Desiré Pedro, em Miranda do Corvo, que os dois arquitectos têm vindo a restaurar e adaptar ao longo do tempo; e o centro de artes contemporâneas Arquipélago, em São Miguel (Açores), projecto da Menos é Mais Arquitectos + João Mendes Ribeiro.

E há ainda o projecto que Álvaro Siza e Carlos Castanheira fizeram para um complexo industrial na China, que ficou conhecido como o “edifício sobre a água”, e que, nota Luís Tavares Pereira, “teve o condão de desmistificar a ideia de que naquele país se faz tudo a correr e sem qualidade”.

“Austeridade, escassez, desemprego, emigração, diminuição do poder de compra, crise do mercado imobiliário: são tópicos que não conseguimos dissociar de uma reflexão profunda que incide sobre as condições da construção e da arquitectura nos anos 2012-14”, diz a OA na apresentação da exposição. Mas a arquitectura portuguese parece estar a conseguir sobreviver, apesar da troika.

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