A alma de Obnox

Know America é o disco de um punk-rocker afro-americano que ama as rimas e as guitarras, a distorção e a soul. Obnox é o seu nome

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Obnox: contra preconceitos brancos e negros DR

É difícil manter a curiosidade e a imaginação diante do fluxo de sons que percorre a Internet. O que fazer? Apelar à memória como mediadora de um encontro “secreto”. Procurar e ouvir contra a sedução do marketing e as manhas do acaso. Há música que não pode ficar presa e muda na rede. Tome-se como exemplo o conjunto de cinco álbuns de Obnox, projecto individual de Lamont “Bim” Thomas. O primeiro saiu em 2011, este ano já foram lançados dois e aguarda-se novo par até Dezembro. Os que se conhecem são todos bons e, sobretudo se escutados numa sequência, sem pausas (os temas são curtos), anunciam (permitam a ousadia) uma obra comparável às de Captain Beefheart, Jonathan Richman, Peter Laughner, Rocky Erickson, Dr. John ou Sly Stone.

Quem é Lamont “Bim Thomas”? Uma pesquisa na internet descobre um baterista da cena musical de Ohio. Sabe-se que tocou, e por vezes ainda toca, com os V-3, Bassholes, the Unholy Two, This Moment in Black History e Puffy Aerolas, luminárias do rock underground da região e que lançou há quatro anos um single, assinando como Obnox. Os amigos primeiro, os conhecidos depois, gostaram do que ouviram e, ao fim de um ano, das ruas de Cleveland, Thomas saltou para as secções “marginais” da imprensa musical.

Não foi um salto instantâneo. Um punk-rocker e um afro-americano, Obnox reconhece a desvalorização do rock (perdeu valor de troca nas duas últimas décadas), mas recusa o domínio estético do hip hop e do r&B sobre outros géneros ou a classificação do rock como música branca. A sua obra é a de uma síntese de sons e o seu desejo, já o manifestou, é o de casar as rimas com a distorção, o feedback com os beats. Os Ramones com o hip hop, os Pagans com os Meters.

Know America

, o trabalho mais recente, começa com uma chamada telefónica para uma estação de rádio. É Obnox quem se apresenta, arrogante, aos ouvintes antes de lançar

Grease

, estilhaço de funk-noise, impelido por samples de bateria e de guitarras. Revelam-se aqui traços que se repetirão em quase todo o disco: o falsete morno, as melodias lentas e as batidas encharcadas de fuzz. Não em 

Cracked Up

, o tema seguinte, que se move com a energia juvenil e atabalhoada do 

punk low-fi

, avisando os mais distraídos que nem tudo é 

bricolage

. Existe fidelidade a um passado. Um esboço do indie-rock convencional desenha-se em 

Menocause

, mas a voz de Obnox derrete as guitarras no calor da soul (é uma canção dedicada a sentimentos). Novo sample em 

Loudpack

 e o loop de um riff e de uma bateria sobe denso e sedoso: Prince nos Public Enemy, porque não? Em 

Freaky

, liberta-se o delírio. O garage-rock é levado nos braços do noise para dançar numa discoteca antes da chegada de “Powerhourse”, versão do tema de Bo Diddley: o falsete de Obnox enrouquece e enlouquece com visões da soul, do funk e do rock. 

Know America

 fecha, três minutos depois, com rimas e sem pausas, revindicando liberdade para o músico que o criou. Contra preconceitos brancos e negros.

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