250 filmes num DocLisboa 2014 em viagem pela história do cinema (e não só)

Programação do certame, este ano dedicado ao recém-falecido Peter von Bagh, confirma a “enorme vitalidade” da produção portuguesa e traz 11 estreias mundiais

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O trailer restaurado do “testamento” de Orson Welles, "F for Fake"
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Um encontro com momentos marcantes da nossa história, da história europeia, "Noite e Nevoeiro", de Alain Resnais,
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Em "Die Generalprobe" Werner Schroeter filmou o “ensaio geral” do "Café Müller" de Pina Bausch
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"BAAL", de Bertolt Brecht por Volker Schlöndorff com Rainer Werner Fassbinder no papel principal

Orson Welles e Lav Diaz, Stan Brakhage e Luchino Visconti, João Bénard da Costa por Manuel Mozos e Lino Brocka, Edgar Pêra e Marguerite Duras, o século XX e a globalização. Está, finalmente, cartografado por inteiro o território do DocLisboa 2014, a decorrer de 16 a 26 de Outubro (Culturgest, cinemas São Jorge e City Campo Pequeno e Cinemateca Portuguesa).

A programação completa foi apresentada ao fim da manhã de terça-feira na Culturgest, casa de sempre do certame, pela direcção composta por Cíntia Gil e Augusto M. Seabra; vão ser 250 filmes representando 40 países, entre eles 13 primeiras obras e 11 estreias mundiais, reflectindo, nas palavras de Seabra, “a escala que o DocLisboa atingiu”, e, para Cíntia Gil, a quantidade de cineastas que consideram o festival o seu “lugar de eleição” para mostrar o que fazem.

Exemplos disso são os títulos escalados para as competições nobres do Doc. No concurso internacional, regressa o chinês Wang Bing (cujas Três Irmãs ganharam a edição 2012) com Father and Sons ou o franco-americano Éric Baudelaire (Letters to Max), mas também o português Edgar Pêra (Lisbon Revisited, a sua evocação Pessoana em 3D estreada em Locarno) e uma das sensações do novo cinema brasileiro, Adirley Queirós, com Branco Sai Preto Fica.

A competição portuguesa revela, segundo Cíntia Gil, “uma enorme vitalidade da produção nacional”, em contra-corrente à dificuldade cada vez maior para montar e divulgar projectos. Este ano, mostram-se Pára-me de Repente o Pensamento de Jorge Pelicano (cujo Pare, Escute, Olhe, vencedor em 2009, levantou uma imensa polémica sobre as fronteiras do documentário), ou A Lã e a Neve, com que João Vladimiro sucede a Lacrau (esta semana nas salas); e Manuel Mozos (Ruínas) traz o seu documentário sobre João Bénard da Costa, Outros Amarão as Coisas que Eu Amei.

2014 é uma edição que cortou drasticamente no número de programas paralelos e sessões especiais, mas que não deixa por isso de as ter, “por razões de actualidade” como disse Cíntia Gil mas também porque um festival de cinema é também um espaço privilegiado de reflexão sobre a história, o tempo, a arte. Na Cinemateca Portuguesa, terá lugar uma integral do holandês Johan van der Keuken, “cineasta viajante por excelência” nas palavras de Augusto Seabra, “alguém que andava a filmar a globalização antes de o termo entrar na linguagem corrente”, a prolongar-se por Novembro fora – alguns dos seus filmes farão igualmente parte da secção musical Heart Beat. (Esta última, abrindo com Fado Camané de Bruno de Almeida, irá igualmente exibir duas obras há muito invisíveis: a filmagem de BAAL de Bertolt Brecht por Volker Schlöndorff com Rainer Werner Fassbinder no papel principal, e Die Generalprobe, onde Werner Schroeter filmou o “ensaio geral” do Café Müller de Pina Bausch.).

A segunda das três retrospectivas históricas da edição 2014 é “Neo-Realismo e Novos Realismos”. Exibe algumas das obras centrais da corrente nascida na Itália do pós-guerra – A Terra Treme de Visconti, Europa '51 de Rossellini, Umberto D. de Vittorio di Sica – e faz depois, a partir de Rio Zona Norte do brasileiro Nelson Pereira dos Santos, a “ponte” com os “novos cinemas” globais que lhe foram beber inspiração até aos dias de hoje: do indiano Ritwik Ghatak ao anglo-polaco Karel Reisz, passando pelo filipino Lino Brocka, Pedro Costa, o chinês Wang Xiaoshuai ou o romeno Cristi Puiu.

Finalmente, “O Nosso Século XX”, um programa estruturado à volta da montagem de imagens da libertação dos campos de concentração realizada pelo Museu Imperial da Guerra britânico a partir das indicações deixadas por Alfred Hitchcock. Compõe-se de uma sequência de filmes que marcam, segundo Cíntia Gil, “um encontro com momentos marcantes da nossa história, da história europeia”, entre os quais Noite e Nevoeiro de Alain Resnais, Veillées d'Armes de Marcel Ophüls, Parole de Kamikaze de Masa Sawada ou Falkenau, Vision de l'impossible, de Émil Weiss, onde Samuel Fuller fala da sua experiência como operador de câmara na libertação dos campos.

Numa edição dedicada a Peter von Bagh, o historiador e cineasta falecido há poucos dias que era amigo de longa data do festival (“um homem ímpar e um homem ímpar no seu amor pelo cinema”, nas palavras emocionadas de Augusto Seabra), o Doc continua a apostar numa dimensão quase de serviço público. Na secção Riscos, mostra o Leopardo de Ouro de Locarno, as seis horas de duração de From What Is Before do filipino Lav Diaz, e a “trilogia de Pittsburgh” de um dos nomes maiores do cinema dito experimental, Stan Brakhage, em cópias restauradas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e que são agora exibidas pela primeira vez fora dos EUA; mas também o trailer restaurado do “testamento” de Orson Welles, F for Fake, ou o documentário que a montadora Dominique Auvray dedicou a Marguerite Duras. E a competição Investigações traz duas revelações de Locarno 2014 – a co-produção portuguesa Songs from the North, da sul-coreana Soon-Mi Yoo (vencedora do prémio de primeira obra), e The Iron Ministry, viagem do americano J. P. Sniadecki pelo sistema ferroviário chinês.

A abertura oficial do certame tem lugar na Culturgest a 16 de Outubro com Maïdan, que o bielorusso Sergei Loznitsa filmou “a quente” durante as manifestações naquela praça de Kiev; o encerramento a 26 de Outubro com Socialism, o último filme de Peter von Bagh. O programa pode ser consultado no site oficial doclisboa.org e os bilhetes entram à venda dia 1 de Outubro, ao preço de €4,00. 

 

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