Valerie Steele: a moda nos museus "dá mais trabalho do que pôr uma pintura numa parede"

Numa altura em que as mostras dedicadas à moda se tornaram nos blockbusters das exposições dos grandes museus do mundo, a directora do museu do FIT veio a Lisboa falar sobre Fashion in the Museum. É arte? “É discutível”. É positivo? “É fantástico”.

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Valerie Steele fotografada no Museu do Traje, em Lisboa Guilherme Marques

Steele dirige há 18 anos o museu do Fashion Institute of Technology (FIT) de Nova Iorque, uma instituição de referência. Vive entre colecções, história, ideias para mostrar uma peça e que histórias contar, mas também a folhear a revista científica – a única do sector – que fundou e que se dedica à moda. Do Fashion Institute à revista Fashion Theory, a doutorada por Yale e autora de vários livros é uma das pensadoras do design de moda actual a quem outros nomes igualmente de referência da área já chamaram, entre outras coisas elogiosas, o “Freud da moda”.

A norte-americana de 60 anos resume sobre a moda nos museus: permite "olhar para as roupas de uma nova perspectiva - como peças de cultura visual meritórias da nossa atenção". Foi assim que terminou a palestra organizada pelo Museu Nacional do Traje e pela docente do IADE Theresa Lobo ao fim da tarde desta quinta-feira. Horas antes, olhos azuis atentos às cores do Outono dos jardins do Palácio Angeja-Palmela, no Lumiar, casa do museu, Steele, que trabalha num museu universitário especializado e de entrada gratuita ao público generalista, diz ao PÚBLICO que procura “sofisticação e lucidez, clareza” numa exposição de moda. Tanto fez mostras sobre temas e coleccionadores quanto sobre utilizadores, como a herdeira e consumidora de moda de autor Daphne Guinness. Alexander “McQueen é um génio, mas vamos também dar reconhecimento a quem de facto usou as roupas, porque se tivessem ficado pela passerelle não tinham sido um sucesso”, gesticula sorridente sobre a exposição do FIT de 2011 dedicada a Guinness.

Os museus estão cheios de moda, mesmo não sendo especializados em design, vestuário ou artes decorativas. No entanto, nem sempre as mostras são interessantes - quais são os desafios em expor moda?
Dá muito mais trabalho do que pôr uma pintura numa parede. São precisos manequins, é preciso cuidar das roupas – são tão frágeis, é um milagre que sobrevivam – e é preciso ter um especialista a vesti-las, que as ajuste perfeitamente ao manequim. Quando não acontece, as roupas ficam com um ar horrível. Conheço um coleccionador famoso cujas roupas foram expostas num museu que não vou nomear e ele chorou quando viu quão mal tinham vestido as roupas.

Penso que é preciso ter roupas fascinantes e uma história  que seja interessante para o público que seja contada com as roupas. É preciso pensar em formas como o fazer – o arranjo das roupas, o arranjo do cenário, tudo desafiará o público. É uma combinação de entretenimento e educação – quer-se inspirar a criatividade das pessoas, sejam ou não designers. Porque a moda é uma forma pessoal de arte e auto-expressão. Uma exposição não é um livro numa parede. É um animal completamente diferente.

O que suscita um velho debate - a aproximação da moda e dos museus parece pôr a moda no reino da arte…
Sim, apenas pelo facto de ser apresentada em museus de arte, estão a encorajar implicitamente o público a pensar na moda como arte. Por outro lado, muitos designers muito bons não consideram a moda arte.

Tom Ford, Coco Chanel…
Sim, Elsa Schiaparelli dizia que é arte, Chanel que não. É difícil ter um consenso. Eu gosto de pensar que a moda é um pouco como a fotografia há 30 anos – era vista como algo industrial e popular, mas gradualmente as pessoas perceberam que alguns fotógrafos faziam arte. Agora acontece o mesmo com a moda. Certas obras, alguns Balenciaga, alguns McQueen – seja como for que se defina a arte, e ninguém concorda, especialmente desde Warhol- parecem qualificar-se enquanto tal.

Que desafios traz para o seu trabalho esta massificação da moda nos museus?
Hoje toda a gente, até o Imperial War Museum faz moda. É mais desafiante porque as melhores atingem níveis muito elevados de tecnologia e dramatismo – e custam muito dinheiro. E queremos estar sempre a subir a parada, incluir cenários mais e mais elaborados porque a mise en scéne é muito importante, mais e mais tecnologia porque o público a exige. Mas também temos mais dificuldades em angariar dinheiro…

Mais de um milhão de pessoas viu Savage Beauty, dedicada a Alexander McQueen, entre o Metropolitan de Nova Iorque em 2011 e o Victoria&Albert de Londres este ano. Consegue identificar um momento de viragem na forma como os museus encaram a moda?
Nos EUA o ponto de viragem foi nos anos 1970 quando Diana Vreeland [ex-editora da Vogue] foi contratada como consultora especial do Metropolitan [em 1972] porque trouxe uma sensibilidade de moda ao que tinha sido até então uma visão de antiquário. O mesmo aconteceu em Inglaterra um ano antes quando [o fotógrafo de moda e estrelas] Cecil Beaton foi contratado pelo V&A para montar uma exposição. Antes disso era tudo cronológico, roupas de senhoras de classe alta, muito antiquado. E de repente o público começou a vir. As exposições começaram a focar-se num designer superestrela contemporâneo – Saint Laurent [no Metropolitan em 1981/2], Chanel, Armani. Tornaram-se controversos, parecia comercial, nada académico. Mas eram como pães quentes para o público. São esses dois momentos que empurraram a bola de neve. Savage Beauty e afins são uma consequência disso.

É algo positivo que qualquer museu faça uma mostra de moda? Há quem considere que se torna um truque para chamar público.
É fantástico, há muita gente interessada que pode reflectir sobre a moda depois. Há muitas formas de mostrar moda e as únicas que são cansativas são aquelas do tipo “50 looks lindos”, em que não há qualquer pensamento e só “aqui estão vestidos bonitos”.

 

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