Sex & Sex & Rock'n'Roll

A estreia dos Boss Hog em Portugal não podia ter sido mais infeliz. Quando se preparavam para dar início ao primeiro "encore" da sua actuação no arranque da Queima das Fitas de Coimbra, Cristina Martinez, vocalista do quinteto rock norte-americano, foi atingida em cheio no rosto por uma pesada pasta académica lançada da audiência. Ou quando o acto isolado de um prejudica o interesse de muitos.

O episódio conta-se em poucas palavras. No momento em que os Boss Hog se preparavam para dar início ao primeiro "encore" da sua actuação no âmbito da Queima das Fitas de Coimbra, Cristina Martinez, vocalista do quinteto rock norte-americano, foi atingida em cheio no rosto com uma pesada pasta académica lançada da audiência. Ferida, a vocalista dos Boss Hog lançou as mãos à cara, permaneceu por breves instantes imóvel em palco e logo de seguida abandonou-o para não mais voltar. Naquele que era de longe o concerto mais interessante da presente edição da festa académica coimbrã, não apenas pela estreia dos Boss em Portugal mas sobretudo pelo facto de em palco estarem os mais dignos representantes da novo rock independente norte-americano, perdeu-se uma óptima oportunidade. Foi pena. Enquanto estiveram em palco, os Boss Hog mostraram porque são um dos grupos mais estimulantes que o rock independente tem de momento para oferecer. São acima de tudo uma banda de resistentes interessados em dar um novo impulso às pulsões primitivas do rock, não no sentido leviano e revisionista do termo, mas na mais pura fidelidade e entrega a "esse género de animalidade sugestiva que deveria estar confinada aos bares de espelunca e aos bordéis", segundo a célebre definição que dele deu o jornal norte-americano "New York Daily News", em 1956.À sua frente está o casal Cristina Martinez e Jon Spencer, dois jovens "punks" licenciados na marmita escaldante da música afro-americana que vieram suceder primeiro a Lux Interior e Poison Ivy, dos Cramps, e depois a Thurston Moore e Kim Gordon, dos Sonic Youth, na galeria de casais de luxo do rock independente norte-americano. O par musical mais "sexy" do momento propôs no recente "White Out", álbum que os Boss Hog apresentaram em Coimbra, um disco sensual e moderno, admirável tanto nas formas como olha para trás como nos modelos de que se serve para propulsionar o género no futuro.Com o diabo no corpo, Cristina Martinez e Jon Spencer surgiram em palco vestidos de um branco "glamouroso" escondido sobre casacos de peles, traficaram guitarras em permanente combustão energética e apresentaram uma música que mais não é que uma forma de reacção, o desejo de um estilo de vida menos ordinário e uma declaração de guerra à realidade, fragmentos de uma brilhante encenação em que o rock se converte naquilo que, afinal, nunca deixou de ser: uma música imediata e popular, excelente tanto para a imaginação como para as articulações. Assim, e antes da maldita fita que inesperadamente voaria em direcção ao palco, os Boss Hog reivindicaram o seu lugar num novo panteão musical que os situa ao lado de bandas como os Royal Trux, Guitar Wolf e Make Up ou de personagens como Bob Log III, Andre Williams ou Hasil Adkins como o último grito de uma cena rock'n'roll canalha e moderna, que continua a sentir, como nunca deixou de sentir, o sexo, o suor e a vida. Nada que interesse à estudantada, portanto. Em vez disso, as cerca de 15 mil pessoas que lotaram o recinto das festas - sugestivamente designado de Queimódromo - sentiram sobretudo o vapor do éter subir-lhes à cabeça. As festas universitárias constituem por regra uma montra ampla e diversificada de tipos e estilos onde o único elemento comum parece ser o lado mais mundano do estudante português. A de Coimbra então está particularmente bem montada, situada que está num amplo recinto que transitou este ano, pela primeira vez, para a margem esquerda do Mondego e onde a logística e as facilidades ao dispor da clientela são de fazer inveja às organizações de muitos dos festivais de Verão em Portugal. Mas ao contrário destes, onde a música funciona como o verdadeiro catalizador dos ritos libertários e escapistas que inevitavelmente aí se produzem, nas festas académicas ela é sobretudo mais um pretexto, um acessório ou uma muleta capaz de induzir novos motivos de interesse à festa "per se". Aí a música pode acabar - talvez seja essa a principal finalidade das pastas académicas -, desde que o álcool continue a jorrar das múltiplas barracas de comes e bebes alinhavadas em redor do recinto. Até ao final da noite, os milhares de estudantes que se fizeram ao circo coimbrão comeram e beberam que se fartaram, sorriram e beberam uma vez mais e dançaram ininterruptamente nos muitos bares até ao sol nascer. Com as pastas guardadas debaixo do braço.

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