O engenheiro que se tornou dramaturgo

Mais de meia centena de peças de teatro constituem o principal legado da escrita deste autor, que foi também tradutor e poeta. Uma obra que espera ainda o devido reconhecimento

Engenheiro e silvicultor, poeta e romancista, dramaturgo, tradutor e animador cultural, Jaime Salazar Sampaio morreu na terça-feira em Lisboa, aos 84 anos. O funeral realiza-se esta manhã, às 10h30, e segue do edifício 2 da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) para o cemitério do Alto de S. João. Faz, assim, uma última passagem pela SPA, de que foi sócio desde 1961, onde fora homenageado em 2005 com uma Medalha de Honra e onde, durante duas décadas, animou o ciclo Dramaturgia e Prática Teatral, por onde passavam todos quantos se interessavam pelo teatro.

Acumulando numa vida cheia todas as actividades acima descritas, foi sobretudo como dramaturgo que Jaime Salazar Sampaio deixou marca. "A importância da sua obra dramatúrgica não foi ainda reconhecida como merecia", lamenta Baptista-Bastos. "Acusam-no, muitas vezes, de escrever um teatro do absurdo, quando o absurdo da sua obra é o reflexo do absurdo do país que retratou", acrescenta o escritor e jornalista, que destaca ainda a sua "afabilidade e generosidade".

Estas características são também citadas pelo dramaturgo Jaime Rocha e pelo encenador Jorge Silva Melo. Ambos realçam a qualidade dos diálogos das suas peças. "Tinha uma grande facilidade na construção dos diálogos e de com eles estabelecer uma comunhão fácil com o espectador", nota o autor de Transviriato.

O director dos Artistas Unidos considera-o também "um mestre absoluto do diálogo" e destaca igualmente o seu trabalho de tradutor. "Quando eu estava na Cornucópia, traduziu para nós Os Pequenos Burgueses, de Gorki", recorda Jorge Silva Melo, assinalando a importância das traduções que Sampaio fez de Samuel Beckett e Harold Pinter, por exemplo. "A parte da sua obra de que mais gosto são os seus retratos, um pouco pinterianos, entre o realismo e o absurdo, da pequena burguesia de Lisboa: os sonhos da senhora que bebe um galão na leitaria...", diz o encenador dos Artistas Unidos, citando peças como Os Visigodos, As Sobrinhas, A Batalha Naval e Madalena Lê Uma Carta. Gosta menos da vertente "filosófico-pessoana" da obra expressa, por exemplo, em Fernando (Talvez) Pessoa (1982).

Jaime Rocha diz que a última peça que viu de Jaime Salazar Sampaio foi Um Homem Dividido (1995), numa produção do Teatro Independente de Loures. "É quase uma "viagem" dramatúrgica por grande parte da sua obra anterior, que incorporava fragmentos de textos de Junto ao Poço, Aqui de Passagem ou O Pecador à Linha, e onde são também visíveis os ecos de Pirandello e de Beckett."

O Pescador à Linha - que os Artistas Unidos encenaram em 1998, sob a direcção de António Simão - foi a primeira peça escrita por Jaime Salazar Sampaio, em 1961, quando já tinha dado à estampa, por influência de Luiz Pacheco, alguns volumes de poesia, como Em Rodagem (1949), Poemas Propostos (1954) e O Silêncio de Um Homem (1960).

Num testemunho publicado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, Percursos de Um Dramaturgo, o dramaturgo explica que esse texto nasceu quando Artur Ramos lhe perguntou se não teria uma peça em um acto para levar à cena no Teatro Nacional D. Maria II. Esse "convite" foi o impulso de que Jaime Salazar Sampaio precisou para ir à gaveta onde tinha guardado um papel com a primeira frase para uma hipotética peça e finalmente concretizar a sua vocação teatral.

Ainda à espera do devido reconhecimento nos principais palcos do país, a vasta obra de Jaime Salazar Sampaio tem sido especialmente bem acolhida pelos grupos amadores, a que ele dava também uma atenção especial. "Ele disse-me, uma vez, que escrevia principalmente para os grupos amadores, porque não só recebia deles mais atenção, como via neles o melhor do teatro em Portugal", recorda Baptista-Bastos.

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