Júri do Booker rendeu-se ao humor judaico

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A tragicomédia judaica de Howard Jacobson conquistou o júri do Booker LUKE MACGREGOR/Reuters

A escolha de The Finkler Question, de Howard Jacobson, para o Booker Prize de 2010 foi uma surpresa: é o primeiro romance cómico distinguido pelo júri desde que o prémio foi criado

Os favoritos eram dois jovens autores, ambos nascidos em 1969: o inglês Tom McCarthy, com C, e a irlandesa Emma Donaghue, com Room. Mas foi Howard Jacobson, com 68 anos e 11 romances no currículo, quem acabou por ganhar o prestigiado e lucrativo (56.700 euros) Man Booker Prize de 2010, atribuído a The Finkler Question, uma tragicomédia judaica que narra as desventuras de Julian Treslove, um falhadíssimo produtor da BBC que morre de inveja de um seu bem-sucedido amigo dos tempos do liceu, Sam Finkler, a ponto de desejar ser, tal como ele, judeu.

A escolha, anunciada na terça-feira, foi noticiada na imprensa inglesa em títulos nos quais figurava, quase sempre, alguma palavra da família semântica de "surpresa". De facto, as probabilidades não pareciam sorrir a Jacobson. Aos 68 anos, seria o autor mais velho a ganhar o prémio, à excepção do Nobel da Literatura William Golding, autor do célebreO Deus das Moscas, que tinha 69 anos quando o recebeu, em 1980, por Ritos de Passagem. E desde que o prémio foi criado, nenhum dos sucessivos júris achou que um romance assumidamente humorístico pudesse merecer tão séria distinção.

Uma "Jane Austen judia"

"The Finkler Question é um romance sobre o amor, a perda e a camaradagem masculina, e aborda o que significa hoje ser-se judeu", lê-se no comunicado de imprensa do júri, que recorda ainda as críticas favoráveis que o livro vinha recebendo: "Dele se disse que tinha alguma da prosa mais espirituosa, pungente e cómica escrita em língua inglesa."

Ao anunciar o prémio, Andrew Motion, presidente do júri, acrescentou ter sido com "particular prazer" que viu ser premiado "alguém que é tão bom escritor". E descreveu The Finkler Question como "um livro maravilhoso: muito divertido, claro, mas também muito inteligente, muito triste e muito subtil".

Considerando que "aos olhos de algumas pessoas" o humor com que Jacobson aborda o mundo pode ter injustamente contribuído para o desqualificar enquanto autor "sério", Motion recordou que o próprio autor se definira como "a Jane Austen judia" para sugerir que há também nele algo de shakespeariano: "Não há dúvida de que sabe algo que Shakespeare também sabia - que o trágico e o cómico estão intimamente ligados."

Nascido em Manchester, em 1942, Howard Jacobson seguiu a carreira universitária e já tinha 41 anos quando publicou o seu primeiro romance, Coming From Behind, cuja intriga se centrava num decadente instituto politécnico que decide negociar uma partilha de instalações com um clube de futebol. Desde essa estreia algo tardia, escreveu mais uma dezena de romances, e ainda alguns livros de ensaios, como Seriously Funny: From the Ridiculous to the Sublime. Dois dos seus livros já tinham chegado à long list do Booker Prize, mas nenhum conseguiu atingir o grupo restrito dos livros finalistas: Who"s Sorry Now, de 2002, e Kalooki Nights, de 2006, que muitos críticos consideram ser a sua obra-prima e que Jacobson descreveu como "o romance mais judaico que alguma vez foi escrito".

Roth à inglesa

Comparado muitas vezes a Philip Roth, do qual seria uma espécie de versão inglesa, Jacobson partilha com o escritor norte-americano o hábito de criar duplos ficcionais de si próprio. No entanto, ao contrário de Roth, cujas obras se vêm tornando crescentemente mais negras, com temas como a doença e a morte a tornar-se cada vez mais obsessivos, o seu gémeo inglês nunca perdeu a mão para o humor, como novamente se confirma em The Finkler Question.

Conhecido do público britânico pela sua participação em alguns programas televisivos e pela coluna semanal que há vários anos mantém no jornal The Independent, Jacobson tem-se envolvido em algumas polémicas pela sua defesa da política actual de Israel, tendo sido já rotulado como "sionista liberal".

Mas o escritor não se revê no retrato. "Não sou, de modo nenhum, um judeu convencional", escreveu. "O que creio é que tenho uma mente judaica, uma inteligência judaica, e sinto-me ligado a outras mentes judaicas do passado." E acrescenta que "aquilo que um judeu é foi feito por cinco mil anos de experiência, que moldaram o sentido de humor judaico, como moldaram a tenacidade dos judeus".

Nenhum livro de Jacobson foi até agora editado em Portugal, lacuna que, depois deste prémio, não tardará decerto a ser remediada.

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