Delfim Sardo demite-se do CCB em ruptura com a administração

Saída do director do Centro de Exposições considerada perda importante. Falta de orçamento é uma das razões da demissão

O director do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém (CCB), Delfim Sardo, demitiu-se na semana passada por considerar que não tinha apoio da administração para o seu projecto. A decisão, comunicada por carta, foi conhecida apenas anteontem no CCB. "A administração e eu temos visões diferentes do que deve ser o Centro de Exposições. O meu projecto de contemporaneidade não tinha acolhimento suficiente. Não havia condições de confiança mútua", disse Delfim Sardo, que está neste momento de férias.
Ontem, nenhum dos membros da actual administração esteve disponível para comentar a demissão. O presidente do conselho de administração, José Fraústo da Silva, encontra-se em Macau durante 15 dias e a vogal com o pelouro financeiro, Isabel Trigo de Morais, não presta declarações.
Margarida Veiga, o terceiro elemento da administração, foi nomeada há um mês em substituição de Guta Moura Guedes, mas ainda não tomou posse e não quis comentar. "Lamento com toda a amizade e consideração profissional que tenho pelo Delfim Sardo, mas não sei o que se passa dentro do CCB. Tenho estado a delinear uma estratégia para o futuro, mas não posso avaliar uma situação que desconheço", disse Veiga.
Delfim Sardo diz que a sua saída se deve também às condições orçamentais previstas para 2006, embora sublinhe que essa é apenas uma entre "várias razões". Escusou-se, no entanto, a avançar a verba que tinha em discussão com a administração.
Para o próximo ano, o CCB receberá do Ministério da Cultura uma verba de oito milhões de euros, podendo chegar a gerar um valor semelhante em receitas próprias, mas a instituição não confirmou ontem se o seu orçamento geral para 2006 era de 16 milhões de euros. O PÚBLICO apurou que a fatia do Centro de Exposições poderá estar próxima dos 500 mil euros. No ano passado, segundo o CCB, foi de 1,8 milhões.
Com 8500 metros quadrados de área expositiva, que incluem o Museu do Design, o Centro de Exposições chegou a ter 1,8 milhões de euros, na altura em que Margarida Veiga estava na direcção. À frente do centro desde 1996, Veiga demitiu-se em 2003 quando essa verba desceu para um milhão. Delfim Sardo foi substituí-la.
O director do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Jorge Molder, diz que Sardo só pode ter-se visto confrontado com uma "situação limite": "Tenho a maior admiração pelas capacidades e qualidades de trabalho do Delfim Sardo, e também pela sua persistência e capacidade de negociação. Isto para dizer que as suas razões foram certamente poderosas".
Já para o director do Museu do Chiado, Pedro Lapa, esta "é uma notícia chocante". "Delfim Sardo é uma pessoa com um percurso de qualidade inquestionável em Portugal, com muitos anos de trabalho e uma reflexão extremamente pessoal, a um ponto que nem sequer é comum em termos europeus ou mundiais. Acho absolutamente lamentável", disse Pedro Lapa.

Sardo defende remodelação do CCB
Para Delfim Sardo, o CCB deve sofrer uma profunda remodelação: "Todo o modelo do CCB está esgotado". Sardo defende a autonomia do Centro de Exposições e a sua transformação em Museu de Arte Contemporânea e Museu do Design, a existirem ao lado de um Centro de Artes Performativas. "Esse é o caminho necessário para o desenvolvimento do Centro de Exposições no CCB."
Para o director do Museu de Serralves, João Fernandes, a saída de Sardo do CCB é reveladora de uma situação de indefinição na estratégia do Estado para as artes: "Tenho muita pena que um colega meu não tenha conseguido as condições de trabalho necessárias e indispensáveis para continuar um programa que, na verdade, nunca teve condições para ser executado na sua máxima ambição. Lamento também que assim continue indefinido o perfil e a estratégia programática de um lugar importante como o CCB, uma instituição fundamental para Lisboa e para o país. Quem de direito precisa de definir uma estratégia para a arte contemporânea em Lisboa e ao mesmo tempo uma estratégia para os objectivos das instituições do Estado que lidam com ela".
Pedro Lapa defende o ponto de vista de Sardo sobre as reformulações que o Centro de Exposições do CCB deveria sofrer: "O CCB é tratado como uma espécie de Palácio de Congressos, em que a arte é vista como um complemento. Sou defensor de uma maior autonomia dos museus. Os modelos têm que ser mais profissionalizados".

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