Aravena, o arquitecto que faz meias casas

O projecto chileno Elemental permite fazer casas para famílias pobres a baixo custo. O primeiro convidado da bienal explica como

a Alejandro Aravena constrói meias casas. Não é surpreendente, por isso, que este arquitecto chileno seja o orador convidado da primeira das Conferências de Lisboa (entre as 15h e as 17h no Teatro Camões, Parque das Nações) da ExperimentaDesign 2009, a bienal de design que começa hoje e que se propõe pensar, entre outras coisas, como é possível fazer mais com menos. "Fazer metade de uma casa não foi uma opção, foi uma restrição", explica Aravena ao P2 por email. A abordagem do Elemental, o do-thank de que faz parte, é pragmática: se o dinheiro não chega para fazer uma casa de 80 m2, talvez chegue para fazer uma de 40m2. "A nossa reformulação do problema foi considerar 40m2 como metade de uma casa boa." O restante é para fazer mais tarde, pelos próprios habitantes, quando surgir o dinheiro.
Tudo começou com um pedido do Governo chileno: criar casas para 100 famílias que ocupavam ilegalmente, e há mais de 30 anos, um terreno na cidade de Iquique. Para isso o Governo disponibilizava um subsídio de 5000 euros por família com o qual tinham que pagar o terreno e construir a casa (o projecto fez parte das obras seleccionadas para o prémio da VI Bienal Ibero-Americana de Arquitectura e Urbanismo, que se realizou em 2008 em Lisboa).
A parte mais difícil
O desafio obrigou a uma mudança naquela que é a perspectiva habitual de um arquitecto. Estes tinham que partilhar o seu trabalho com uma família que pouco perceberia de arquitectura. "Uma casa tão pequena iria necessariamente ser modificada pelas pessoas, mesmo que nós o proibíssemos", reconhece Aravena. "Por isso o que fizemos foi, de maneira pragmática e estratégica, incluir essas variáveis no desenho. Dado que era um facto que 50 por cento da casa iria ser construída pelas famílias, o mais razoável era sentá-las desde o início a uma mesa para nos pormos de acordo sobre quem ia fazer o quê."
Para os arquitectos fica a parte da casa que "dificilmente as famílias conseguiriam fazer sozinhas", a casa de banho, a cozinha, escadas, etc. Nesta metade da casa já está a estrutura para se poder construir a segunda metade. "Por muito mal que a família faça a sua parte, a segurança estrutural está garantida por nós."
Tentam explicar às famílias que o valor da casa (a política de habitação no Chile é orientada para a propriedade) também depende do valor do conjunto. E isto cria uma espécie de "controlo social", mais eficaz que um imposto pela lei ou pelos arquitectos. "É como a Wikipédia: há sempre gente que pode vandalizar uma resposta, mas a maioria das pessoas procura naturalmente o bem comum."
Lisboa, por que não?
A negociação com os moradores não significa que os arquitectos se apaguem. "Interessa-nos muito deixar a nossa marca profissional (talvez mais do que pessoal). É irresponsável, profissionalmente falando, que sejamos um mero porta-voz ou executor da vontade popular." Cabe aos arquitectos propor "decisões às vezes anti-intuitivas, que têm que ser discutidas com as comunidades, porque não são o que elas espontaneamente teriam feito".
Admite, no entanto, que "há certas coisas que as próprias famílias sabem muito melhor do que [os arquitectos] como se devem fazer". Mas como nem tudo o que as pessoas sonham é possível, os membros do Elemental têm que ajudar a estabelecer prioridades. "Perguntamos às famílias se querem isto ou aquilo... e o que vamos ter que deixar de fazer para o poder pagar."
As preocupações estéticas existem, mas a opção dos arquitectos é "trabalhar sobre uma estética neutra, seca, dura, para poder dar alguma regularidade a intervenções individuais que certamente serão muito expressivas". Mas mais uma vez há um lado pragmático. "A questão estética não é um dado duro: o banco não está interessado nisso, quando faz a avaliação das casas, que é o que interessa a uma família quando usa a propriedade para pedir um crédito para começar um pequeno negócio, por exemplo."
Para além do projecto no Chile, o Elemental está a concluir a construção de um no México e a planear outro para o Brasil. O objectivo é lançar o modelo globalmente (as adaptações passam apenas por questões como o clima, o tipo de terreno ou de lotes), e está em conversações com o Peru, a Índia e a Colômbia.
Numa altura em que tanto se discutem os problemas nos bairros de realojamento, em que enormes edifícios parecem contribuir para o aumento da violência, Aravena tem ideias muito claras sobre o assunto. Em primeiro lugar não devemos "poetizar a pobreza e as instalações informais". Depois é preciso ter em conta que "com um número superior a 20 ou 30 famílias é difícil manter os acordos sociais". Com muita gente no mesmo sítio "é muito difícil manter o espaço colectivo", que se transforma em "espaço de ninguém".
E o modelo de meias casas do Elemental serviria, por exemplo, para uma cidade como Lisboa? "Não vejo por que não."

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