Alice nomeado para prémio de melhor primeiro filme europeu

É a primeira vez que uma primeira-obra portuguesa é finalista. O trabalho de Marco Martins foi já visto por quase 15 mil espectadores em Portugal

Alice, primeiro filme de Marco Martins, actualmente em exibição, é um dos cinco candidatos ao Prémio Fassbinder de Revelação, uma das categorias dos Prémios do Cinema Europeu. É a primeira vez que um filme português é seleccionado para a shortlist daquele prémio que se destina a "um jovem e emergente talento europeu". Entre os vencedores de edições anteriores contam-se La Vie de Jésus, do francês Bruno Dumont (autor dos polémicos L"Humanité e Twenty-nine Palms), em 1997, A Festa, do dinamarquês Thomas Vinterberg, em 1998, ou Recursos Humanos, de Laurent Cantet, em 2000.
Marco Martins, de 33 anos, não conhecia o historial do prémio quando ontem falou com o PÚBLICO, mas mostra-se agradado com os antecedentes - afinal, o prestígio de um prémio também é medido pela consistência das obras distinguidas. E, por coincidência, Laurent Cantet, em particular o seu segundo filme, O Emprego do Tempo, foi uma das referências para Alice, e para a construção da sua personagem central, um pai em busca da filha desaparecida (entrada de leão do actor Nuno Lopes no cinema).
Sobre a nomeação, o realizador diz que "é totalmente inesperada", mas nota que Alice tem estado em crescimento desde a sua passagem pelo Festival de Cinema de Cannes, em Maio, onde recebeu o prémio Regards Jeunes da Quinzena dos Realizadores, atribuído por um júri europeu de jovens cinéfilos. Mais importante do que isso, Alice teve um acolhimento promissor junto da crítica francesa e americana. Mais importante do que isso, Alice tem encontrado um público nas salas: em duas semanas de exibição em Portugal, foi visto por 14.710 espectadores, números acima da média para um filme português num período tão curto - a título de comparação, refira-se que O Milagre Segundo Salomé, o segundo filme português mais visto em 2004 (o primeiro foi Balas e Bolinhos), contabilizou, no total da sua exibição, 22.235 espectadores.

"Há uma onda à volta do filme"
É por isto que Marco Martins diz que "há uma onda à volta do filme". "É muito bom. Quer dizer que, de alguma forma, o nosso filme passa para as pessoas aquilo que queríamos passar, que o filme consegue comunicar. O ciclo de um filme completa-se na exibição e no que as pessoas vêem nele."
Talvez seja cedo para avaliar as razões disso, mas pode-se especular: Alice encontrou um público - um público que cronicamente não se revê no seu cinema - porque não partilha dos traços comuns (ou do senso comum) do cinema português? Marco Martins diz que tem "evitado a conotação com o cinema português", porque isso lhe parece "redutor". "Se escolhermos três exemplos - Manoel de Oliveira, Pedro Costa e João Canijo -, verifica-se que não têm nada a ver uns com os outros. Há uma marca de heterogeneidade. De que é que se fala quando se fala de cinema português? De Balas e Bolinhos ou de Manoel de Oliveira?" Em todo o caso, o realizador aponta dois factores: o facto de ser "um filme que põe muitas perguntas, uma obra aberta" - "é aquela coisa do show, don"t tell ("não digas, mostra")" - e a representação de Lisboa em Alice, corte epistemológico com a cidade branca ou nocturna, a cidade de bairro, a cidade que é habitualmente retratada nos filmes. "Mostra a Lisboa contemporânea de uma forma que as pessoas nunca viram representada", confirma Marco Martins. Labiríntica, abstracta, invernosa - é Lisboa, mas também podia não ser. O realizador chama-lhe "a Lisboa das grandes massas".
Marco Martins sabe que a prestação de Alice gera "uma grande expectativa em relação ao segundo filme", cujo guião está a escrever actualmente em Oxford no apartamento de um amigo que é professor naquela universidade britânica. Mas não é que ele pense: "Será que vai ser tão bem aceite quanto Alice?" Anuncia-se, de novo, como um filme sobre "a solidão nas cidades", situado em Lisboa, mas é uma ideia que já vem de trás, desde que Martins terminou a rodagem de Alice.

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