A luz premiou a sombra...

São, para já, e logo na sua primeira edição, o mais alto galardão para as artes plásticas em Portugal. Lourdes Castro, Joana vasconcelos, João Queiroz e Ângelo de Sousa foram os distinguidos pelos Prémios EDP, com um valor total de 17 mil contos.

No campo das artes plásticas, eram os mais esperados prémios do ano. Porque, apesar de estarem apenas na sua primeira edição, os prémios EDP já se instituíram globalmente como o maior galardão nacional - atribuindo um total de 17 mil contos, divididos por quatro categorias distintas (desenho e pintura, atribuídos a partir de uma exposição, e o Grande Prémio EDP e o Prémio EDP - Novos Artistas, por atribuição directa). A cerimónia das nomeações realizou-se ontem, às 18h30, no Palácio da Ajuda, em Lisboa, contando com a presença do recém eleito ministro da Economia Mário Cristina de Sousa - que antes de assumir o seu actual cargo era presidente da EDP -,mas também do ministro da Cultura, José Sasportes. Foi, aliás, pelas breves palavras proferidas por Sasportes, que se pôde adivinhar o mais importante dos quatro prémios atribuídos, o Grande Prémio EDP, que distingue uma carreira já consagrada no panorama artístico nacional e que ascende ao valor de sete mil contos - a mais elevada quantia atribuída em prémios nacionais. Lourdes Castro - que o ministro relembrou ter conhecido inicialmente como actriz - foi, nessa categoria, a artista distinguida. E porque falar de Lourdes Castro, nascida em 1930 na Madeira, onde actualmente vive, é falar, incontornavelmente, de sombras, de contornos, do Teatro de Sombras, a própria artista brincou, confessando-se surpreendida: "É engraçado a luz dar um prémio à sombra". Contudo, apesar de se confessar contente, explicou a artista ao PÚBLICO em palavras que oscilam entre a simplicidade que a marca e uma complexidade que se adivinha, nada disto é verdadeiramente importante, "o que é importante é acordar de manhã e poder ver o sol nascer, mais do que tudo". Até porque, explicou ainda, o percurso que traçou não é só seu: "Nós não fazemos nada sozinhos. Nada. Nem quando se tem só um pincel na mão. A obra não é minha, é do tempo, dos amigos, das pessoas com quem trabalhei". Alguns deles foram René Bertholo, João Vieira, Costa Pinheiro e Christo, grupo com que nos anos 60, em Paris, desenvolveu a revista "KWY", assumida como um ícone da época. Contudo, Lourdes Castro voltou a Portugal, logo nos anos 70. E, desde então, tem sido imparável na reformulação de um percurso que já assumiu expressão através dos mais variados meios, passando pelo desenho, a pintura ou a tapeçaria e a azulejaria. Mas interrogando sempre a própria essência da representação do mundo. Do mundo exterior e do quotidiano, mas, sobretudo, do mundo interior, tornando-se as silhuetas e os recortes, em jogos de sombra e de luz, uma espécie de paradigma do seus trabalho.Para o júri, constituído por nove membros - Nuno Faria, do Instituto de Arte Contemporânea; Jorge Molder, do Instituto de Arte Contemporânea da Gulbenkian; João Pinharanda, critico e comissário da colecção da EDP; o também critico Delfim Sardo; e Raquel Henriques da Silva, directora do Instituto Português de Museus, entre outros - a sua carreira trata-se de "uma referência incontornável", premiando-se "um nome indiscutível na galeria dos artistas portugueses da segunda metade do século XX". Nos antipodas, ou seja, na categoria Prémio EDP - Novos Artistas, categoria para a que se estipulou um prémio no valor de dois mil contos, esteve outra mulher, a artista Joana Vasconcelos, de 29 anos, cuja produção artística, segundo o júri, "integra as mais dinâmicas linhas de trabalho da actualidade, questionando os estatutos da escultura tradicional".Com oito exposições já agendadas até Setembro do próximo ano, Joana Vasconcelos não poderia ter recebido com mais agrado a noticia do prémio. "Não é muito [dinheiro]", explicou a artista ao PÚBLICO, "mas para executar as minhas próximas peças vai ser fundamental". Humor e cor são também termos que facilmente se aplicam ao trabalho que Joana Vasconcelos (formada no Ar.Co) tem vindo a desenvolver. Uma cama em tamanho real, com os respectivos lençóis, elaborada a partir de lamelas de soporíferos, ou uma espécie de miniatura rotativa das máquinas de lavagem automática de carros, feita a partir de uma profusão de "collants" multicoloridos, são algumas das suas obras. Mais do que uma expressa ludicidade, estas obras, como a maioria dos seus trabalhos, denunciam também, como referia ainda o júri, um questionamento de "conceitos estabelecidos de instalação e de arte social e politicamente interveniente."Cor é também, surpreendentemente, a palavra-chave para o trabalho que Ângelo de Sousa, distinguido na área de pintura entre um grupo de outros três nomeados na categoria - Pedro Casqueiro, Gil Heitor Cortesão e José Loureiro -, apresentou à apreciação do júri. Consideradas "um dos mais exaltantes momentos da exposição", patente há cerca de um mês na Galeria de Pintura do Rei D. Luís, no Palácio da Ajuda, as obras de grande formato, de pintura e fotografia, de inesperados tons fortes que cortam com as monocromias que a produção deste artista vinha assumindo em anos mais recentes, valeram-lhe um prémio no valor de cinco mil contos - o segundo mais elevado. João Queiroz, na área do desenho, apresentou uma série de aguarelas sobre papel que questionam a noção de pintura de paisagem e que o levaram a ser o escolhido para um prémio no valor de três mil contos - de entre um grupo de nomeados que integrava ainda artistas como Helena Almeida, Fernando Calhau, Gaëtan, Jorge Queiroz e Francisco Tropa. Para ele, é sobretudo louvável a existência de um júri que sabe ir além das mais simplistas e usuais reacções a um género como a paisagem. Porque é precisamente isso que diz fazer. "Ou uma espécie disso".

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