A Batwoman vai voltar. E é lésbica. E depois?

A personagem da DC Comics vai ter uma série em nome próprio. Esta série, agendada para o Verão, torna-se
a que maior visibilidade dá a um super-herói gay

a Há informações que parecem desenhadas para fazer splash. A revelação de que a DC Comics vai publicar uma série de pelo menos doze livros dedicada à Batwoman, para desenvolver e dar a conhecer verdadeiramente a personagem, é uma bela notícia para o sector. Quando se detalha que a super-heroína vai prosseguir o seu caminho, já estabelecido há alguns anos, como lésbica e combatente do crime, torna-se alvo da atenção de quase todas as publicações do mundo. Splash.Esta será a mais visível aparição de um super-herói gay no catálogo da DC Comics (Batman, Super-Homem), e não é bem uma novidade. É um regresso. Kathy Kane/Batwoman surge nos comics em 1956 como namorada de Batman. E reza a história que foi apresentada como paixão do caped crusader para afastar as interpretações recorrentes da dupla Batman e Robin como referências gay encapotadas. (A Batwoman foi morta em 1979, reapareceu na série 52 da DC Comics, em 2006, e volta agora a reaparecer no hiato gerado pela suposta morte/desaparecimento de Bruce Wayne/Batman no número 681, de Novembro de 2008.)
Aliás, na origem da Comics Code Authority, uma espécie de entidade reguladora dos conteúdos dos livros de BD nos EUA, está o livro Seduction of the Innocent (1954), do psiquiatra Fredric Wertham, que defendia que os comics incitavam os jovens leitores ao que ele considerava actos desviantes - da delinquência à homossexualidade. Na obra, Wertham dizia que a história de Batman podia levar as crianças a ter "fantasias homossexuais".
Fast-forward para 2009 e Greg Rucka, argumentista, JH Williams III, ilustrador, e Dave Stewart, colorista, vão pegar na Batwoman e contar a sua história. Rucka, em entrevista ao site Comic Book Resources na sequência da apresentação do projecto na convenção ComicCon de Nova Iorque, é firme na descrição da sua intenção. "Sim, ela é lésbica. Ela também é ruiva. É um elemento da sua personagem. Não é a sua personagem".
É que em 2006, quando "se soube", em Gotham (ou seja, na série 52), que a Batwoman tinha uma relação com a detective Renee Montoya, o New York Times escreveu sobre o assunto e rapidamente havia mais de 500 mil entradas na Internet a discutir a homossexualidade da super-heroína (com prós, contras e muitas piadas). No seu blogue, o guionista deixa escapar algum cepticismo em relação à abordagem entusiástica dos media pela orientação sexual da personagem. "Eis o novo Capitão América. E ele é 'hetero'!", lê-se nos comentários do blogue, crítica ao "sensacionalismo" da imprensa. Na entrevista ao Comic Book Resources, Rucka recorda que "quando a Wonder Woman cortou o cabelo, isso foi notícia. Por isso, [Batwoman] será o que tiver de ser. O nosso trabalho é fazer os melhores números da Detective que pudermos".
Mas tendo em conta a escassez da diversidade sexual na BD mainstream americana e a política que envolve cada tentativa de introdução de personagens gay pela Marvel e DC Comics, bem como a importância da representação de etnias, sexualidades e handicaps diversas em qualquer meio, esta série da Detective Comics tem, inevitavelmente, significado mediático.
Mas, no mundo da BD norte-americana, o factor splash pode dar origem a um tsunami de falatório, mas não originar mais do que um chapinhar no mercado. Foi o caso com o Rawhide Kid, personagem dos anos 1950 recuperada em 2003 pela Marvel para uma mini-série de cinco livros (Slap Leather) e que mostrava a sua homossexualidade. O Rawhide Kid tornou-se a primeira personagem gay a ter a sua própria revista no mainstream dos comics americanos e do género super-heróis (a destrinça é relevante, pois a diversidade é muito maior nos meios alternativos e underground). Mas não teve grande sucesso comercial.
Há outros exemplos. A Marvel tinha uma série com a personagem North Star, que desde os anos 1980 se mostrava pouco interessado em mulheres. Em 1992, North Star "saiu do armário". Também na Marvel e no seio da irmandade de mutantes X-Men, a vilã Mystique passou as últimas décadas envolvida com outra vilã, Destiny. Em 1990 houve a primeira referência ao romance e, em 2001, abriu-se o jogo sobre a relação das duas mulheres.
O rol de personagens gay nos livros de banda desenhada americanos não surgiu facilmente. Depois do livro de Fredric Waltham e da pressão do regulador que chegou a ser censor, os grupos conservadores pressionavam as editoras sempre que os temas eram abordados - a Marvel chegou a ter um dístico nos livros com tais personagens que os limitava a adultos, fruto das reacções negativas desencadeadas pelo Rawhide Kid. Entretanto, a editora do Homem-Aranha deixou de apresentar essa recomendação e lançou, em 2005, a série The Young Avengers, escrita pelo guionista gay Allan Heinberg e em que dois dos jovens protagonistas são namorados. Que ganhou um prémio da Gay & Lesbian Alliance Against Defamation.

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