A torre não chega ao céu

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Babel (Words) - Sidi Larbi Cherkaoui, Damien Jalet e Antony Gormley

Grande Auditório do CCB - 25 de Março. Sala cheia.

Eram altas as expectativas criadas pela aclamação do público e da crítica e pelo reconhecimento do prestigiante prémio Olivier, atribuído a esta obra inspirada no mito que explica a separação do ser humano em diferentes línguas, culturas, povos e territórios.

De facto, os coreógrafos Cherckaoui e Jalet mostram um domínio escorreito e perspicaz sobre a arte de organizar temporal e espacialmente o movimento, aqui proveniente da gestualidade da comunicação (verbal dos tempos ancestrais e digital dos tempos modernos); acções do quotidiano doméstico, social e migratório; tonalidades da interacção das relações (por atracção ou rejeição); ou das formas de dançar personalizadas de cada bailarino e fruto de formações adquiridas em contextos culturais diferentes, mais eruditos ou mais populares.

Também a cenografia - feita de grandes aros paralelepipédicos de metal leve e tamanhos diferentes - tem uma encenação coreograficamente forte e apelativa: com habilidade, os intérpretes manipulam estes elementos, criando ao longo da peça volumes, perspectivas e espaços, por vezes mais concretos e utilitários, outras mais abstractos e decorativos. As estruturas do escultor Antony Gormley foram engenhosamente desenhadas e persistentemente exploradas e integradas, ocupando um papel determinante na dinâmica conseguida em Babel, onde evocam espaços físicos - a casa, a cidade, a torre, o barco ou a fronteira - e espaços psicológicos derivados de situações de união ou isolamento.

Atravessando quadros, ora mais figurativos, ora mais formais, o elenco multinacional teve um desempenho bastante bom pela precisão, energia e coordenação, onde se pôde apreciar, entre outros casos de excepção, o talento do português Hélder Seabra, que várias vezes se destacou.

Contudo, apesar de uma conjuntura de sucesso e capaz de despertar com a dança reflexões relevantes, a consistência desta produção é discutível. Sendo uma sequência rápida de quadros introduzidos e resolvidos em tempos curtos, o espectáculo tem um ritmo favorável aos mais ávidos de acção, mas, na verdade, é também um abrir e fechar de altos e baixos contínuo e cansativo, onde as atmosferas emotivas muitas vezes não se desenvolvem e são apenas sugeridas. A estrutura dramatúrgica não ajuda, pois o que une as inúmeras secções é um chapéu muito amplo de questões da humanidade. Há méritos evidentes na capacidade de representação e fica nítido a que é que cada momento se está a referir. Mas esta clareza alcança-se com muitos clichés, caricaturas conhecidas e formulações elementares, que tornam previsível e pouco inovador o desfecho deste retrato múltiplo e ambicioso. Prova da miscelânea de referências é a banda sonora, que viaja entre cânticos cristãos, ritmos indianos, acordes asiáticos e orações muçulmanas, numa fusão demasiado optimista da diversidade cultural e do que nos divide.

Paula Varanda

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