Viegas defende mais educação, mais independência, mais Ministério da Economia

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Francisco José Viegas Foto: Nuno Oliveira

Atrair os privados para o apoio à cultura, apostar decisivamente na educação para formação de público e envolver o Ministério da Economia em áreas como o património. Ideias defendidas pelo Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, ontem, na associação cívica Sedes, em Lisboa. “Não é humilhante não haver subsídios, humilhante é não haver tanta gente quanto gostaríamos no teatro”, disse.

O Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, nunca acreditou muito em políticas culturais. Disse-o ontem à noite, no início da conferência para a qual foi convidado pela associação cívica Sedes, em Lisboa, inserida no ciclo “6 Debates, 6 Temas – Fazer Cultura em Portugal”. Não acredita na expressão “políticas culturais”, precisou, por lhe sugerir uma outra, a “política do espírito” do Estado Novo.

No dia em que foi lançado um “Manifesto em Defesa da Cultura”, criticando “as políticas de agressão à cultura dos últimos governos” e assinado por 52 personalidades do sector, Francisco José Viegas deu assim o mote para uma intervenção em que acentuou a necessidade de atrair os privados para o apoio à cultura, apontando que a construção do tecido cultural europeu foi conseguida através “dos laços entre apoios privados e públicos”, e em que defendeu a intervenção do Ministério da Economia junto de algumas áreas, como o património.

Ao longo de cerca de uma hora, o secretário de Estado da Cultura defendeu aquelas que são as ideias chave para o seu mandato. Considerando que “as escolas foram abandonadas na última década pela cultura”, uma delas será a aposta na educação e na formação de públicos: “Não é humilhante não haver subsídios, humilhante é não haver tanta gente quanta gostaríamos no teatro”, exemplificou. Outra, fruto da crise mas também da sua ideia do que deverá ser a gestão cultural por parte do Estado, será a tendência crescente para atenuar o peso daquele no apoio à criação artística, procurando promover uma maior independência das estruturas, a supracitada ligação interministerial e plataformas de apoio às estruturas na captação de fundos - em 2012, anunciou, serão constituídos dois gabinetes de gestão cultural para esse fim.

No cinema, defendeu que, mais que a aprovação da nova Lei do Cinema, é necessário “reactivar” o FICA (Fundo do Investimento de Cinema e Audiovisial), “fiscalizar” o cumprimento da lei – “um fundo de cinema, obrigado a investir em cinema” - e estimular a colaboração, por exemplo, com a televisão, mesmo considerando que tal, “por vezes justificadamente”, causa “horror” em muitos agentes de cinema. Existem 20 milhões de euros de fundos europeus disponíveis que só serão atribuídos com o reerguer do FICA, referiu, e que não deverão ser esgotados no apoio à produção, mas também no investimento em guionismo, distribuição e exportação.

Entre os apelos ao diálogo e referência à inevitabilidade de cortes nos orçamentos para o sector, Francisco José Viegas falou diversas vezes na necessidade de pensar a “longo prazo”. Na educação, certamente, mas também na questão do património. Afirmou a necessidade de estabilizar “uma rede essencial de museus e monumentos”, envolvendo activamente os museólogos. Nesta área, seria ideal conceder “autonomia na gestão de acervo e orçamento” a algumas estruturas, depois de definidas “regras claras” e de uma “discussão” entre todos os agentes. Dado o impacto que o património tem na atracção de turismo, o Secretário de Estado da Cultura evocou a necessidade de colaboração com o Ministério da Economia. Se o turismo beneficia do património, anotou, deve também contribuir para os investimentos nele realizados.

Quanto ao presente imediato, confrontado por Natxo Checa, da Galeria Zé dos Bois, de Lisboa, com os cortes de apoios contratualizados pela antiga tutela, o secretário de Estado da Cultura defendeu que “muitos dos compromissos assumidos basearam-se em expectativas de receitas que não se cumpriram” e que, neste momento, a SEC está a negociar os cortes com as estruturas, “caso a caso e em função da tesouraria”. Outra questão de tesouraria a resolver será a da rede de bibliotecas.

A longo prazo, será necessário encontrar-lhes “uma nova identidade, adaptando-as às novas realidades de leitura”. Brevemente, terá que se lidar com uma dívida da SEC às autarquias, relacionada com a rede de bibliotecas, no valor de 18 milhões de euros.

Foi quando abordou o sector teatral que Francisco José Viegas deixou mais evidente aquela que é a sua ideia para a intervenção da Secretaria de Estado da Cultura. “Algumas críticas [aos cortes] são justas”, reconheceu, “mas o dinheiro do Estado, para sermos justos, mata a independência”. Pouco depois, acrescentaria: “Não temos 250 milhões de euros e não acho que tê-los fosse bom para o futuro do teatro”. Com menos dinheiro disponível, a solução passará por “menos apoios, mas concentrados em projectos de excelência”: “Não consideramos fazer cortes nas companhias de referência”. Sugerindo o desenvolvimento de “repertório popular” que atraia mais público aos teatros e que possa servir de porta de entrada ao universo das artes cénicas, apelou ao diálogo com os agentes do sector, de forma a vencer o “clima de desconfiança” existente.

A tónica no diálogo atravessou, de resto, a intervenção inicial do Secretário de Estado da Cultura e a fase de discussão que se seguiu, moderada por Luís Campos e Cunha, ex-ministro das Finanças do governo de José Sócrates. Quando a bailarina e coreógrafa Vera Mantero lançou a última pergunta da noite - “qual será o novo modelo de apoio às artes?” -, ouviu-se como resposta um “não faço ideia” que deixou a sala entre o divertido e o perplexo. “O critério”, precisou em seguida Francisco José Viegas, “será definido depois das reuniões [com os agentes do sector]”: “Não haverá cortes cegos. E serão todos discutidos”.

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