“Vamos ter recursos como nunca tivemos para o património”, assegura ministro da Cultura

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O responsável pela pasta da cultura faz o balanço do primeiro ano à frente do ministério Rui Gaudêncio

José António Pinto Ribeiro chegou ao Ministério da Cultura há um ano. Publicamente tem falado sobretudo da promoção da língua portuguesa. Mas nesta entrevista de balanço responde a críticas e explica o que tem feito em áreas fundamentais da pasta: património e museus. E diz que “fazer política da cultura não é fazer política do esbanjamento”.

Algumas pessoas têm defendido que não é necessário um Ministério da Cultura, que bastaria haver uma secretaria de Estado. Consideram que o Ministério da Cultura tem pouca margem de manobra, pouco orçamento. Concorda?

O Ministério da Cultura não é um instrumento que exista em todos os países. Nos Estados Unidos não há Ministério da Cultura, não há secretário de Estado da Cultura. Mas a lógica organizativa do Estado americano é completamente diferente. Há uma intervenção social muito activa das pessoas que fizeram grande acumulação de riqueza, que normalmente criam fundações e constituem, através de um conjunto de mecanismos de doação e de mecenato, uma fonte de receita essencial de apoio às artes. Portanto, são lógicas totalmente diferentes.


Nos países da Europa ocidental, que são tributários deste sistema, eu diria que se tem vindo a perceber que a cultura é economicamente cada vez mais relevante e é essencial na gestão política de um país. E porquê? Porque se trata de passar de uma lógica de produção de bens materiais, e de bens materiais de consumo, para uma outra lógica da qualificação das pessoas, que não é feita apenas através do sistema educativo, é feita através de um ensino, de uma prática, de uma experiência, de uma qualificação no sentido de passar da cultura do saber para uma cultura do fazer. E isso é um programa político, um projecto político que deve ter alguém que se ocupe disso, que faça essa transversalidade de leitura política cultural e assegure a coordenação de todos os ministérios e programas que intervêm nisso. Mas, sobretudo, que faça uma direcção política no sentido de se alcançarem os instrumentos através dos quais fazemos essa transformação do conhecimento da ciência em criatividade e cultura.

As pessoas que têm defendido isso partem da ideia de que alguns gestos culturais recentes – como o Museu dos Coches ou o África.cont – têm passado ao lado do Ministério da Cultura. Sente-se secundarizado?

Não há nenhuma secundarização. Há actividades que são desenvolvidas por outros Ministérios ou por entidades que também são de natureza cultural. Mas isso tem a ver com a compreensão dessa universalidade cada vez maior. Nós poderíamos dizer que um terço de toda a actividade educativa em Portugal é levada a cabo pelo Instituto de Formação Profissional. Talvez não haver Ministério da Educação, Ministério do Ensino Superior... Porquê?


O desenvolvimento de uma actividade nesse domínio não significa que os outros serviços, e sobretudo os serviços de direcção política, de coordenação política, deixem de ser necessários. O África.cont é feito sobretudo pela iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, numa lógica de recuperação urbana e depois de aproveitamento desse espaço para fins culturais. Essa compreensão é completamente coincidente com a do Ministério da Cultura. Do ponto de vista cultural é o melhor possível que haja muitos agentes a desenvolver trabalho cultural e política cultural e que essa política possa ser coordenada para evitar redundâncias, para evitar gastos inúteis.

Quem acha que não deve haver Ministério da Cultura é sobretudo quem o vê como uma espécie de mecenas público, que dá dinheiro para que outros façam. Ora se se trata apenas de dar dinheiro não vale a pena estar cá, basta fazer um concurso público anual para o distribuir pelas pessoas. Não é isso que o Ministério da Cultura faz.

Quando cheguei ao Ministério da Cultura não se falava de língua, o problema do acordo ortográfico era um problema bloqueado. Entendi que, sem língua, não há desenvolvimento cultural, não há cultura. Portanto era preciso criar condições para que a língua portuguesa fosse um instrumento internacional e se afirmasse internacionalmente. Penso que a única maneira de o fazer é através de uma coordenação de actividade com outros países de língua portuguesa.

Temos de perceber, e acho que temos alguma dificuldade em perceber isso, que a nossa maior e mais extraordinária criação foi a língua. Nós afirmamo-nos enquanto identidade e enquanto povo através da língua que falamos e da expansão que demos a essa língua. Neste momento, o número de falantes do português andará pelos 230, 240, 250 milhões. Mas desses 250 milhões, 200 milhões são brasileiros. E eles eram apenas 70 milhões em 1960. De 1960 para 2008 triplicaram, e isso significa fazer 130 milhões de falantes do português, mais do que nós fizemos em todo o nosso passado. É preciso compreender a dimensão das coisas e que uma política de defesa e de expansão da língua portuguesa significa fazer com que tudo exista em português. Quem fala português chega a todo o lado, pode ler tudo o que exista e isso é um objectivo. É preciso que tudo o que é pensado, criado, concebido em português possa ser acedido por outros. A única maneira de o fazer é fazê-lo coordenadamente com outros países. O problema ortográfico impedia essa universalização. É preciso agora fazer trabalho para que essa universalização ortográfica permita a expansão efectiva da língua e a sua consolidação. Somos a terceira língua mais falada das línguas europeias. Quem vai hoje à Internet fica surpreendido com a quantidade de buscas feitas com base no português. É preciso afirmar isso.

Uma das críticas que lhe são feitas é que se ocupa mais com a língua e menos com outras áreas da exclusiva competência do MC, como o património e os museus.

Isso é um erro grave. Relativamente ao património, posso com prazer dar-vos cópias da carta da comissão nacional da UNESCO em que expressamente se refere essa situação. A carta da UNESCO é de 23 de Janeiro, e vem do embaixador Fernando Andresen Guimarães. Os problemas no património classificado pela UNESCO em Portugal [13 bens] são sobretudo de natureza administrativa e referem-se ao facto de haver uma antena de telecomunicações em Sintra e uma padaria com o nome Património Mundial em Guimarães. A maioria das situações potencialmente problemáticas são de natureza jurídica e administrativa. Não é o património propriamente dito.



O próprio presidente da comissão nacional da UNESCO veio dizer que havia património que corria o risco de vir a ser desclassificado...

Leram isso em órgãos de comunicação social que não são rigorosos... Esta informação [de problemas de ordem meramente jurídica e administrativa] vem da UNESCO...


As preocupações com o património da UNESCO são, portanto, alarmistas?

Aqui na carta da UNESCO diz-se que, “ao contrário do que por vezes é divulgado na imprensa, até hoje nenhum bem foi ou esteve em risco de ser inscrito na lista do património da UNESCO em perigo, nem se prevê tal procedimento”. É alarmismo? Não tenho de o qualificar.


Quando este governo tomou posse, não havia nenhuma Carta de Risco do património. E fez-se, para estabelecer prioridades. A Carta de Risco, já de Maio de 2008, tem os imóveis que carecem de intervenção. Este foi um dos elementos usados para convencer as empresas de construção civil e obras públicas [a terem um papel] na recuperação do património. Não há nenhuma desatenção nem nenhuma falta de cuidado do Ministério com património.

As pessoas acham que o património não está em óptimas condições... Muito do património classificado é antigo. Andaremos sempre à volta dele, a restaurar. Muitas vezes, há trabalhos a fazer, mas o património em si não está em risco. Um exemplo: o passadiço que leva à Torre de Belém [uma estrutura de ferro] e o sistema eléctrico precisarem de uma intervenção, mas isso não significa que a torre, em si, esteja em risco. É preciso fazer acertos na Carta de Risco do Património para clarificar os critérios de classificação do grau de risco.

Foi essa carta de risco que lhe permitiu fazer a promessa de recuperar todo o património da UNESCO nos próximos três anos e todo o património classificado nos próximos dez?

Há património classificado em risco, mas muito desse património é privado. Relativamente a esse não há possibilidade de intervenção a não ser através de meios totalmente desproporcionados. Isso significaria expropriar, depois intervencionar. O Estado não tem meios para fazer isso, nem se justificaria. Não é possível expropriar todo o património classificado. O esforço que vamos fazer é relativo ao património classificado sob tutela do Ministério da Cultura. Sem Ministério da Cultura a intervenção no património não seria possível. É claro que podem dizer que todas as funções do ministério poderiam estar dispersas por 300, mas se não houver ninguém a coordenar, nada se fará.


Fazer, como fizemos, um acordo com as grandes empresas de construção civil e obras públicas para que elas entreguem, em obra, um por cento do resultado das empreitadas que lhes sejam adjudicadas significa pensar em centenas de milhões de euros nos próximos anos. O que significa uma alteração total das condições em que será possível fazer a recuperação do património. Um troço de autoestrada, por exemplo, em Trás-os-Montes, adjudicado no fim do ano passado, são 650 milhões de euros, são montantes de 6,5 milhões de euros para fazer recuperação. Se percorrermos aqui os custos estimados de recuperação [folheia a Carta de Risco] temos totais de 350 mil euros (Mosteiro de Alcobaça), 380 mil (Mosteiro dos Jerónimos), 300 mil (Panteão Nacional), 40 mil (Torre de Belém)...

O acordo já está a ser aplicado?

É um acordo de mecenato. Através dele as empresas de obras públicas e construção civil vão doar em espécie ao Estado, através do MC, o valor correspondente a um por cento das suas empreitadas. Este acordo vai vigorar durante três anos.


Este projecto foi exposto aos administradores delegados e presidentes dos conselhos de administração das maiores empresas de construção civil e obras públicas e eles entenderam que este era um projecto que fazia sentido. Isto tem a ver com uma das principais preocupações do ministério. Quando cheguei defini “língua, património, artes e indústrias criativas” e comecei a falar com estas pessoas. E isto foi sendo trabalhado paulatinamente. Os primeiros contactos foram feitos em Junho e Julho, a primeira reunião formal foi nos primeiros dias de Outubro, a segunda a 5 de Dezembro e o acordo final foi obtido em Janeiro de 2009.

Estamos a fazer um esforço extraordinário de mobilização de pessoas. Vamos obter recursos que nunca existiram na história do Ministério da Cultura, nunca existiram na história portuguesa.

As pessoas não compreendem que um plano de recuperação do património não se faz em três dias, que uma sociedade não se mobiliza em três dias. É fascinante fazer um plano e pô-lo em prática num ano. As pessoas dizem que não faço nada no património... Além disso, há o número de obras do POC [Plano Operacional da Cultura]: em 2008 gastámos 61 milhões de euros em obras, de um total de 413 milhões [de 2000 a 2008]. Tudo isto tinha de ser concluído até 31 de Dezembro, porque grande parte era de obras de derrapagem de projectos de 2001, 2005, 2006... Destes 61 milhões falta executar cerca de um milhão. É uma taxa de execução absolutamente extraordinária.

Tudo isto é património construído. Mas, como é que é possível dizer que não se faz nada no património sem perceber que o espólio do [Fernando] Pessoa foi comprado, o Vieira Portuense foi trazido, o espólio do [Jorge] de Sena foi depositado? Também isto é património.

Assim como a lei que faltava regulamentar. Já está pronta?

Há três diplomas feitos e em circulação para aprovação. Só quem seja muito desatento, muito desinformado ou não queira saber, pode dizer que não há atenção ao património.


Que diplomas são esses?

O Regime Jurídico de Salvaguarda do Património Imaterial, o Regime Jurídico dos Estudos, Projectos, Relatórios e Obras sobre Bens Culturais Classificados ou em Vias de Classificação de Interesse Nacional, de Interesse Público ou de Interesse Municipal, e o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural... E ainda vamos avançar para outros.


Quando é que vai entrar em vigor?

Gostaria que o decreto-lei estivesse publicado antes do fim do primeiro semestre de 2009, e que tivesse um período de entrada em vigor relativamente longo para que as pessoas se possam adaptar. Seria bom que entrasse em vigor a 1 de Janeiro de 2010, que fosse feito com tempo. Gostaria também que houvesse regulamentação do mercado noutras áreas.


Como por exemplo?

Os leilões. Gostaria que adoptássemos o mesmo regime que existe em Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, em que tudo aquilo que é leiloado tem de ser identificado e comunicado às autoridades, no caso de haver interesse público na salvaguarda e aquisição.


Sentiu isso, particularmente, no caso recente do espólio do Pessoa?

Senti porque a família estava totalmente de acordo com essa salvaguarda. Reuni repetidas vezes com os herdeiros, que estavam preocupados e entendiam muito bem que o Estado adquirisse as coisas do Pessoa. O que é que não queriam? Que o Estado adquirisse o resto do espólio por um valor qualquer que eles não sabiam determinar. Queriam que houvesse um leilão e que o preço fosse determinado em função do mercado. Tudo estava de acordo. Dispus-me a fazer um contrato com eles mas, o leiloeiro, que já tinha feito um contrato com a família, recusou qualquer solução destas. A certa altura não era possível esperar a colaboração do leiloeiro e, por isso, procedeu-se à classificação do espólio. Exerceu-se o poder que decorria da lei.


Há neste momento contactos com a família?

Sim, para que determine o que quer fazer ao espólio em seu poder [todo classificado]. Se quer novo leilão, se é capaz de fazer uma avaliação em função dos valores atingidos neste leilão, se quer que se nomeie um avaliador... Se quer fazer uma proposta com preço para o Estado decidir se quer comprar ou não. No exercício do direito de preferência a única coisa que é necessária é que os lotes sejam partidos para que se possa exercer o direito de preferência em relação às coisas que são relevantes e não exercer em relação às coisas que não o são.


Em relação à proposta de lei dos bens do domínio público, quais são os riscos? O património vai ficar nas mãos de privados?

Uma proposta de lei é um ponto de partida. Quem legisla é a Assembleia da República. Esta matéria tem de ser regulada. Praça das Flores: é domínio público? É. A Câmara Municipal de Lisboa pode fechar a Praça das Flores e fazer lá a exposição de um automóvel durante oito dias? Não pode. Mas fez. É lícito ou não é lícito? É preciso regular. Podem dizer que assim conseguiram dinheiro para restaurar a praça. Não estou a dizer que é mau, estou a dizer que é preciso regular de uma forma transparente, consensual.


O projecto lei facilita ou não a venda de património a privados?

Um exemplo: vamos fazer o módulo 4 e o 5 do Centro Cultural de Belém. O módulo 4 vai ser um hotel concessionado. Vai ser construído por aquele a quem for concessionado. E, ao fim de 10 ou 30 anos, dependendo dos termos do acordo, vai ser devolvido ao Estado. Tem algum mal fazer isto? É um disparate?


Mas é o património histórico que preocupa as pessoas...

Porquê? Quando vão a Espanha não gostam de ficar nos Paradores? Em Portugal não têm as Pousadas? É preciso regular o espaço público. Se não for tratado, de repente a Praça das Flores está fechada.


E em relação aos museus? Continuam com falta de meios...

Nos últimos seis meses, quando é que ouviu essa queixa? Nunca.


Estamos a falar de técnicos superiores para áreas como a conservação e restauro, por exemplo.

Todos os directores de museus estão em concurso e têm vindo a ser substituídos.


Não estamos a falar dos directores.

Mas é por aí que começamos. Agora eles vão fazer o levantamento das necessidades. Têm de ser feitos para percebermos como é que os museus são geridos e de que tipo de pessoas precisamos. Precisamos de mais vigilantes e guardas ou de pessoas totalmente diferentes, de guias qualificados, voluntários? Temos de encontrar soluções que não passam por um aumento do pessoal, mas por uma gestão competente e racional. O levantamento está a ser feito em todos os museus. Precisamos de criar modelos de gestão integrados e dotados de autonomia. Não se resolvem essas questões sem mudar de gestão, sem mudar as direcções dos museus e sem se definir o modelo que se quer. E isso pode passar por parcerias. Há neste momento os meios suficientes para estabilizar a situação.


Tanto em termos humanos como orçamentais?

Sim. O que queremos é que este processo seja conduzido de uma forma mais rigorosa, mais organizada, mais eficaz e mais focada do ponto de vista da gestão. Queremos que os museus se abram e sejam invadidos pela população. Não acho que os museus cumpram adequadamente a sua função cultural. Têm de ser abrir.


É preciso que compreendamos que fazer política da cultura não é fazer política do esbanjamento. Trata-se de dinheiro público e de ser absolutamente rigoroso.

O novo Museu dos Coches não é um esbanjamento?

Aquilo que querem discutir são as escolhas políticas do Governo. Isso é completamente diferente de saber se há ou não falta de meios nos museus. Não há.


Quando cheguei ao ministério não estava prevista verba para pagar salários além de Junho. Agora os salários estão assegurados até ao fim do ano. O Conselho de Ministros entendeu fazer o Museu dos Coches. Mas a decisão de fazer um museu, dos coches ou outro, com verbas que são contrapartidas do jogo [concessão do Casino de Lisboa], é do Governo de 2003, do PSD-CDS.

Mas o novo Museu dos Coches vai levar à transferência do ex-IPA [hoje Igespar] e do Museu Nacional de Arqueologia e isso custa dinheiro. Quem é que vai pagar? O MC?

Porque é que há-de ser pago pelo Ministério da Cultura?


Porque são duas estruturas sob tutela do MC.

Se for pago pelo ministério será pago com outras verbas, que serão entregues ao MC para isso.


Precisamos mesmo de um novo Museu dos Coches?

Não tenho opinião pessoal. Sou membro do Governo, o Governo tomou estas decisões. Há um quadro legal em que me situo, foi aprovado por um Governo anterior ao meu mas está em vigor, ninguém revogou aquele diploma legal.


O Museu do Mar e da Língua Portuguesa depende de uma decisão sua. É importante que ele venha a existir?

É importante fazer todo o trabalho possível em prol da língua portuguesa. A existência de um museu, se for um museu vivo, é uma coisa muito interessante.


O Museu do Mar da Língua tinha várias fases. Não era possível levá-lo a cabo no âmbito do Plano Operacional da Cultura, III Quadro Comunitário de Apoio, que terminou a 31 de Dezembro de 2008. Foi preciso cancelá-lo e pegar naquele dinheiro e usá-lo para outros fins, em que era possível usá-lo atempadamente. Cancelou-se toda a parte que não podia ser executada Quando cheguei ao MC estava executado um por cento desse projecto, que era de 2005. Mas a primeira fase está concluída.

Pretendemos fazer no espaço do Museu de Arte Popular o Museu da Língua. Vai ser feito tendo em consideração o que estava projectado, o que existe no museu em São Paulo, e a necessidade de ver se isto como uma peça de uma rede de museus da língua portuguesa que se espalhe pelos países da CPLP e talvez também pelas diásporas, na Venezuela, na África do Sul, em Paris.

Já não temos dinheiro do POC [acabou em 2008] e por isso o projecto vai ter que ser repensado e reformulado de outra maneira. Esperamos fazê-lo rapidamente no âmbito da frente ribeirinha e com a colaboração da Parque Expo.

O que vai acontecer ao Museu Nacional de Arqueologia (MNA)?

Vai ser reinstalado e na Fábrica Nacional de Cordoaria. Já tem um projecto que ainda não está determinado nos seus detalhes. Neste momento há um acordo para que o actual espaço do MNA seja transmitido para a Defesa. Vai ser uma extensão do Museu da Marinha, onde ficará a arqueologia subaquática.



Espólio do MNA e do ex-IPA?

Sim. Todas as mudanças têm riscos. O que é preciso é fazer essas mudanças controladamente e competentemente. Não há milhões de sítios para onde levar aqueles equipamentos. Não sei se visitaram o antigo IPA na Av. da Índia. Vão ver as condições em que funciona. A resistência àquela mudança é extraordinária.



É prejudicial para o Museu de Arqueologia mudar para a Cordoaria quando tem nos Jerónimos uma localização privilegiada?

A Fábrica Nacional de Cordoaria fica a quantas centenas de metros? Não tem um parque de estacionamento ao lado? Porque é que não se há-de mexer no Museu de Arqueologia? Eu faço a pergunta de outra maneira: quantas pessoas visitam o Museu de Arqueologia, qual é a receita? O que me surpreende é o juízo de valor, o preconceito, antes da recolha de informação.


Por exemplo, a centralização de tesouraria: porque é que eu não recebo numa conta do Ministério da Cultura a receita dos bilhetes no próprio dia? Porquê? Não há. Quanto tempo demorou a fazer a centralização da tesouraria dos tribunais? Dois anos e meio. Estou cá há um ano, e não estou para ficar quatro, estou para acabar daqui a nove meses. Com é que vou fazer centralização de tesouraria? Mas é um instrumento de gestão essencial. Como é que eu sei se as pessoas entram e pagam bilhete? Só sei que o dinheiro entrou muito depois de ter entrado. A receita de Novembro e Dezembro só a conheço em Fevereiro/Março. Já perdi aquele dinheiro, porque só com a autorização do senhor ministro das Finanças é que posso usar receitas do ano anterior.

Isabel Pires de Lima, a anterior ministra, foi muito criticada pelas exposições do Hermitage. Mas Portugal vai receber outra grande exposição, a Encompassing The Globe - Portugal o Mundo nos século XVI e XVII, que esteve nos museus da Smithsonian em Washington.

Farei tudo para que Portugal a receba. Em Portugal nenhum não há nenhum museu da viagem portuguesa. A


Encompassing the Globe

é uma fracção, mas poderia ser um ponto de partida para começarmos a pensar nisso, e para o fazermos, de forma permanente e permanentemente em mudança, no pavilhão de Portugal, por exemplo.

A exposição será financiada por verbas sobretudo do Instituto do Turismo, e eu comprometi-me, com o ministro da Economia, a procurar mecenato. Mas há coisas que ainda não sabemos fazer em Portugal: fund-raising, por exemplo. Temos uma leitura tacanha do mercado. O Encompassing the Globe na Smithsonian foi inteiramente pago por fund-raising e sobrou dinheiro no fim.
Há várias instituições envolvidas no Encompassing the Globe?
É o Museu Nacional de Arte Antiga.

Vai ter que sofrer obras?
Se tiver que sofrer, sofrerá as obras que forem necessárias.

Para quando a exposição?
2009.

Não haverá, então, desvio de fundos que poderiam ser usados noutros museus?
Se as pessoas quiserem saber dos fundos que há, é lerem o orçamento; está lá.

Desviar não será a palavra certa, mas serão fundos que poderiam ser usados para outras coisas?
São fundos que tenho que ir arranjar, não estão no orçamento.

Há uma estimativa de custos?
Há tudo, estimativa de custos, orçamento. Esperamos que a exposição custe à volta de dois milhões e meio de euros. Para tudo, incluindo as obras no Museu Nacional de Arte Antiga.

Outra das preocupações em relação a museus, desta ver de arte moderna e contemporânea, tem a ver com a possibilidade de vir a ser executada a garantia sobre a colecção Berardo [que o empresário apresentou como garantia de empréstimos bancários]. O que é que o Governo pensa fazer?

O que queremos é que a colecção continue no museu. Se passar a ser de outro proprietário, que o novo dono mantenha o mesmo acordo com o Estado, que durante dez anos poderá vir a exercer o direito de opção de compra.



Na comissão parlamentar de Cultura, na terça-feira, falou na alteração do estatuto das fundações públicas. Pode explicar melhor?

É uma alteração mínima. Trata-se de fazer com que haja regras aprofundadas de prestação de contas que coincidam com termos de mandato. É sobretudo um problema de calendarização. Para que os mandatos sejam orientados por regras próximas da sociedades comerciais. Não faz sentido um conselho de administração em que cada um tem um mandato a acabar em ano, mês e dia diferente.



Defendeu que o acordo ortográfico deve entrar em vigor em 2010?

Queria que entrasse em vigor o mais depressa possível. O que significa entrar em vigor? Que o Diário da República e os documentos oficiais passam a ser escritos segundo o acordo ortográfico. A partir do momento em que tenhamos o conversor ortográfico automático, isso pode acontecer. É preciso que ele seja executado coordenadamente com os outros países. Gostaríamos que Angola, Timor-Leste e a Guiné-Bissau também ratificassem o segundo adicional para que pudesse existir a mais ampla coordenação. No ensino os livros vão ser substituídos progressivamente, vai haver formação de professores, de alunos.



Nos documentos oficiais será em Janeiro de 2010?

Por mim será antes, o mais cedo possível.



Em relação ao futuro da Cinemateca, vai haver uma nova direcção? E um pólo no Porto?

O doutor João Bénard da Costa, director da Cinemateca Portuguesa, foi operado. Mas todos os anos tem um mês de férias e a Cinemateca está sem ele durante um mês, e não aconteceu nada. O dr. Bénard já me significou algum cansaço e alguma vontade de pensar em deixar a Cinemateca. Tenho muita pena que seja assim, mas acho que ele tem direito a querer fazer outras coisas. Quando quiser sair, sairá, não há voluntários à força. Espero que ele possa fazer uma transição tranquila para uma nova direcção. Mas esse problema ainda não se põe. A situação está normal, como há seis meses, como há um ano. No Porto, não se trata de uma cinemateca, mas sim de um pólo expositivo de cinema. Uma cinemateca tem um espólio, uma colecção permanente.


Se as pessoas souberem que 80 por cento do que é exibido na Cinemateca não é da Cinemateca, mas vem através de acordos com a rede internacional das cinematecas, percebemos que é possível alargar o pólo dessa rede ao Porto. Não é a Cinemateca que faz uma extensão ao Porto. O pólo será programado por pessoas do Porto, de acordo com as necessidades do Porto.

O centro do pólo será a Casa das Artes, que já está em restauro. Gostaríamos ainda que fosse alargado à Casa Manoel de Oliveira, que pertence à Câmara Municipal do Porto, e que a capacidade de gestão da Fundação de Serralves e o seu auditório fossem também utilizados.

O que queremos é que a gestão do pólo expositivo seja feita a partir do Porto com pessoas do Porto.

Os produtores e realizadores de cinema estão preocupados com o facto de a crise económica poder significar uma quebra de receitas que vêm da publicidade audiovisual. O problema existe?

Acho que ainda não houve quebra das receitas no audiovisual para que possamos antecipar isso.



Queixam-se também que os distribuidores, exibidores e as plataformas de distribuição de canais não estão a comparticipar o fundo para o audiovisual. É verdade?

O FICA é um fundo que tem receita vinda do Ministério da Economia, dos exibidores. O MEO, por exemplo, ainda não paga, mas há outras empresas de distribuição da televisão em casa que pagam. Tem que se ler a lei. A lei diz que pagarão uma percentagem do seu volume de negócios, a não ser que haja um acordo diferente com a entidade governamental. É preciso ver o que foi acordado com cada uma delas.



Por que é que aceitou ser ministro? Voltaria a aceitar hoje?

Sim, voltaria. Aquilo que me move é mudar para melhor a vida das pessoas que estão de acordo comigo e das que estão em desacordo comigo. A qualificação cultural das pessoas é essencial para fazerem face aos novos desafios. Não queremos que o mundo continue na mesma, que volte a haver milhões de desempregados e milhões de pessoas destruídas pela fome e falta de meios. Para lidarmos com estes problemas temos que ser qualificados, ter imaginação, iniciativa, atrevimento, estar disponíveis para correr riscos, calculados e controlados, e fazer as coisas melhor. Tudo isto tem a ver com a qualificação cultural das pessoas. Democratizar é isto.


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