Um Rembrandt na casa de um pirata

Durante 45 anos, julgou-se que o retrato que hoje está na abadia que pertenceu a Francis Drake era de um discípulo do pintor holandês. Afinal, poderá ser mesmo mais um dos muitos auto-retratos do mestre.

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Duas técnicas penduram o auto-retrato que Rembrandt terá pintado aos 29 anos Steven Haywood/The National Trust/AFP

Durante décadas, a pintura que hoje está na Abadia de Buckland, no condado de Devon, no reino Unido, foi atribuída a um dos seus seguidores. Mas agora um dos maiores especialistas mundiais na obra de Rembrandt van Rijn vem defender que, na realidade, se trata de um auto-retrato do mestre holandês.

Se Ernst van de Wetering estiver certo, a pintura doada ao National Trust britânico em 2010 poderá vir a ser avaliada em qualquer coisa como 20 milhões de libras (23,3 milhões de euros). A obra está datada de 1635, o que significa que Rembrandt teria 29 anos quando a pintou.

Segundo a BBC, a reatribuição de Van de Wetering é feita 45 anos depois de um outro especialista, Horst Gerson, ter chegado à conclusão de que a pintura teria saído das mãos de um dos seus discípulos. Van de Wetering atribui esta conclusão ao que se sabia sobre o estilo do mestre em 1968. Desde então, argumenta, e muito graças ao Rembrandt Research Project, programa de investigação a que preside e que tem por principal objectivo fazer o catalogue raisonné do pintor, muita coisa mudou. “Nos últimos 45 anos, reunimos muito mais informação sobre os auto-retratos de Rembrandt (1606-1669) e as flutuações no seu estilo", disse ainda o historiador de arte, citado pela BBC.

O retrato que está na Abadia de Buckland, no condado de Devon, uma propriedade com 700 anos que pertenceu a Francis Drake, o “pirata” de Isabel I, tinha já sido radiografado em 2005. O presidente do projecto Rembrandt analisou essas radiografias e observou longamente a pintura em Devon antes de chegar à conclusão de que nela se podem observar as mesmas pinceladas cruas, grosseiras, as mesmas técnicas usadas noutras obras do mesmo período que serão, sem sombra de dúvida, do mestre holandês.

Ernst Van de Wetering explicou ao jornal britânico The Independent que parte essencial do processo de reatribuição do retrato a Rembrandt foi a sua comparação com as pinturas Belshazzar's Feast, hoje na colecção da National Gallery de Londres, e The Old Rabbi, da Abadia de Woburn, em Bedfordshire.

O auto-retrato, com 91x72 cm, mostra Rembrandt com uma boina negra de veludo, com duas penas de avestruz, usando uma capa escura, sobriamente decorada. O pintor, um dos mais populares na Europa do século XVII, gostava do auto-retrato, talvez porque assim o sujeito da pintura estava sempre à mão. Segundo as contas dos especialistas, Rembrandt terá pintado 40 a 50 auto-retratos, sendo ainda o modelo de 32 dos seus esboços e de sete desenhos.

A pintura, que deverá permanecer na casa de Francis Drake (1540-1596) – o almirante da Marinha de Isabel I e traficante de escravos que se habituou a saquear embarcações espanholas em nome da coroa britânica viveu nela 15 anos – nos próximos oito meses, será depois analisada em profundidade: os técnicos farão novas radiografias e exames de infravermelhos para poderem estudar o desenho por baixo das camadas de tinta, conduzirão testes aos pigmentos usados e procurarão datar a madeira que serve de suporte à pintura.

Diz David Taylor, curador do National Trust, que, a confirmar-se, este será o primeiro Rembrandt da colecção pública britânica, que conta já com 13.500 pinturas. “Estas últimas descobertas são incrivelmente importantes e emocionantes”, reconheceu Taylor, citado pelo diário espanhol ABC. “O trabalho de conservação e de análise técnica que será feito no final deste ano deverá trazer-nos mais confirmações em relação à autoria.”

O auto-retrato foi doado há três anos pelos herdeiros de Edna, Lady Samuel de Wych Cross, cujo marido, Harold, um empresário do ramo do imobiliário, foi um grande coleccionador de pintura flamenga. A obra pertencera antes aos príncipes do Liechtenstein.
 

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