“Se quisesse fazer a programação que fazia anteriormente no Theatro Circo, hoje teria menos público”

A segunda vida do programador Paulo Brandão em Braga. "Os programadores têm de fazer uma programação que vá mais ou encontro do público, porque o público de nicho ou alternativo tem mais dificuldade em chegar aos espaços".O Theatro Circo faz 99 anos.

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"Tentamos ter uma programação que seja cosmopolita, urbana e que tenha duas componentes que julgo ser essencial numa estrutura como esta: ter um lado mais popular e uma ligação aos agentes criativos da cidade" LUÍS EFIGÉNIO

Uma das salas de espectáculos mais bonitas do país foi inaugurada há 99 anos. O Theatro Circo assinala a data com um concerto de Samuel Úria (dia 21, 22h00) e uma homenagem à actriz Palmira Bastos (dia 22), responsável pelo espectáculo de abertura da sala em 1905, começando a projectar o ano do seu centenário. Será nessa altura que as novas ideias da programação se tornarão mais visíveis, pela mão de Paulo Brandão, o director-artístico que regressou a Braga no final do ano passado, depois da saída em conflito com o anterior executivo municipal, em 2010. Para já, a segunda vida do programador em Braga começa com um desafio: a continuidade da empresa municipal que gere o teatro está ameaçada por uma decisão do Tribunal de Contas e pelo novo Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local.

Conheceu a realidade da programação cultural no momento em que havia recursos e esta segunda fase da passagem por Braga é feita em momento de crise. O que muda no trabalho de um programador nestes dois contextos?
Na minha perspectiva, não são bem dois contextos diferentes. A nível nacional, o primeiro momento não foi de todo satisfatório porque nunca existiu aquilo que seria ideal para a cultura. Houve sempre dificuldades de orçamento para a programação nos diferentes equipamentos. A realidade entretanto transformou-se e há realmente muitas dificuldades. Há equipamentos que estão parados em termos de programação e em alguns casos, mesmo com financiamento directo do Estado, como a Casa da Música, só tem feito acolhimento e aluguer de espaços. Se aquela que poderia ser uma sala paradigmática tem dificuldades, à sua escala o Theatro Circo também as tem.

O contexto de crise económica tem impactos ao nível da procura do público?
Os programadores têm de fazer uma programação que vá mais ou encontro do público, porque o público de nicho ou alternativo tem mais dificuldade em chegar aos espaços. Se quisesse fazer a mesma programação que fazia anteriormente no Theatro Circo, hoje teria menos público.

A crise obriga a uma concessão ao mainstream?
Eu acho que o país vive nessa frequência. Hoje há uma exigência diferente por parte do público.

As pessoas colocaram a cultura em segundo lugar nas suas prioridades?
Estão preocupadas eventualmente com necessidade imediata e secundarizaram a cultura. Há outras formas de consumir cultura, através dos livros, da imprensa escrita, da televisão, da internet. Esse consumo imediato é feito em casa, mas a parte social da cultura passou a ser mais mainstream.

No caso do Theatro Circo, como evoluiu o orçamento de programação desde 2007 [cerca de um milhão de euros anuais]?
O orçamento é o mesmo. Mas houve uma posição do Tribunal de Contas que é conhecida publicamente [recusa do visto ao contrato-programa para 2014, decretando que a empresa municipal tem de ser extinta à luz do novo Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local, uma vez que nos últimos três anos não conseguiu atingir o patamar de vendas e prestações de serviços exigido pela lei]. Isso impede que seja feita a transferência dos 600 mil euros acordados com a câmara, mas até ao final do ano esse assunto está resolvido em termos de tesouraria. O Tribunal de Contas não tem competência para encerrar o teatro.

Mas considerou que a empresa municipal devia ser extinta…
Mas não tem essa competência, ainda que as Finanças possam fazê-lo. De qualquer forma, Theatro Circo, Câmara e Governo estão a trabalhar em conjunto para encontrar uma solução definitiva. Os cenários possíveis são mantermos a empresa municipal ou extingui-la e encontrar uma outra solução para a gestão. O Theatro Circo enquanto projecto da Câmara Municipal de Braga não está em causa.

Esta decisão do tribunal obrigou a alguma recalendarização da programação?
Não mexemos em nada. Continuamos a trabalhar normalmente e com o mesmo desejo.

Nestes anos em que esteve fora, Braga mudou?
Braga é a mesma, mas há um processo de aceleramento em questões que eu acho que são vitais como o crescimento do comércio no centro da cidade e uma aposta no turismo. Mas há algo que me preocupa imenso: durante o dia a cidade está cheia de gente, mas há noite é absolutamente desértica.

Que papel pode ter um teatro no processo de regeneração urbana?
Tentamos ter uma programação que seja cosmopolita, urbana e que tenha duas componentes que julgo ser essencial numa estrutura como esta: ter um lado mais popular e uma ligação aos agentes criativos da cidade. A programação está pensada no sentido de atrair não só esses criadores, como o público regional e nacional e mesmo internacional.

Como tem evoluído o número de espectadores no Theatro Circo?
Desde a minha entrada até ao final do ano passado, os rácios de público mantiveram-se. O público que poderia criar a identidade à estrutura, talvez não seja tão constante. É um público diferente, mas o número mantém-se

O processo da Capital Europeia da Juventude (CEJ) de 2012 deixou algum legado em termos de público para a cultura?
Eu acho que a CEJ foi um flop. Não foi um projecto muito claro, surgiu reactivamente à Capital Europeia da Cultura de Guimarães e foi feito muito sob pressão. A criação de públicos não depende só de um único evento como a CEJ e não me parece que isso se tenha traduzido. Acho que as pessoas já esqueceram que o evento aconteceu.

A CEJ criou um novo espaço na cidade, GNRation [dedicado a incubação de empresas, mas com uma componente cultural também]. O Theatro Circo vai ter um papel na programação desse espaço?
Estamos a trabalhar em conjunto com a equipa que existe, para conciliarmos aquilo que eles querem fazer com o que nós estamos a fazer. A ideia é que a GNRation tenha uma programação, mas que o Theatro Circo não esconda o que lá se passa.

A nova estratégia do Porto para o Rivoli, de que modo pode influenciar Braga?
Se estivéssemos em 2006 ou 2007, o Rivoli poderia influenciar a programação que o Theatro Circo fosse fazendo. Mas com o desaparecimento da Isabel Alves Costa e do projecto Rivoli, as áreas que ali tinham assento praticamente despareceram. Neste período, o Porto ampliou de uma forma muito densa a sua oferta. Apesar de não haver espaços gigantes, há uma programação que se prende com o comércio, com a rua, com a noite. Há uma série de coisas que estão a acontecer que acaba por ocupar as pessoas.

Um novo projecto para o Rivoli tem que ser diferente daquilo que o espaço era?
Tem que ser necessariamente diferente. É preciso ter em conta essas ofertas novas e depois há que perceber que a sala foi, infelizmente, estrangulada nestes últimos anos pela programação que lá se fez. Aí está uma prova de que quando fazemos uma programação que faz cedências, como aconteceu com o Rivoli, não se cria público nenhum. O público só vai para ver as coisas de La Féria, pela força da informação e pela força da televisão.

E no Quadrilátero do Minho [associação de municípios constituído por Barcelos, Braga, Guimarães e Famalicão], de que modo é que está pensada a articulação em termos culturais?
Temos vindo a dar continuidade ao objectivo de possibilitar o conhecimento da programação que se faz nos quatro municípios, com preços muito acessíveis através do cartão Quadrilátero Cultural [que dá descontos de 50% nos espetáculos dos quatro teatros municipais]. Mas será eventualmente necessário repensar esta questão.

Tornando a relação mais complementar ou concorrencial?
Concorrencial nunca. Eu acho que é sempre complementar, porque apesar de geograficamente os espaços estarem perto uns dos outros, os fluxos de público são complemente diferentes. Temos muitas vezes espetáculos que se reptem em duas ou três cidades e que têm público na mesma. Há uma relação orgânica e as estruturas estão atentas, têm consciência que há ali outras estruturas próximas e isso tem sido feito com sensatez.

Que novidades estão reservadas em termos de programação no futuro mais próximo?
A estratégia que estamos a tomar é ir preparando a programação para 2015, ano em que o Theatro Circo completa 100 anos. Os ciclos que estão a surgir vão ter uma maior visibilidade no próximo ano. Temos neste momento a correr o ciclo Famigerados Desbocados, que privilegia a música e a palavra e o ciclo “Clube da Luluzinha, menino não entra”, onde os artistas são mulheres, dando visibilidade à criação no feminino.

A música vai continuar a ter o papel privilegiado que teve na sua primeira passagem por Braga?
Não. Quando o dr. Ricardo Rio [presidente da câmara] me fez o convite, uma das cosias que lhe disse é que não quero fazer aquilo que já fiz. Temos que ter um projecto diferente, apelativo, mas temos de ir num registo mais lento no que diz respeito à apresentação e construção dessa identidade. A dança vai ser uma das apostas fortes para 2015, com propostas quer a nível nacional quer internacional. Outra aposta será a questão do transgénero e do terceiro sexo e vamos ter ciclos de cine-concertos e um outo dedicado ao mal e ao Diabo, fazendo o contraponto ao facto de Braga ser um cidade com uma forte presença da religião. Qualquer um destes ciclos arranca em 2014 e vai crescer até 2015.

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