“Quero continuar a conversar com Lisboa”, diz Tim Etchells, o novo Artista na Cidade

O actor, encenador e dramaturgo britânico volta a um lugar que conhece bem para apresentar um programa que inclui dois novos textos e alguns regressos. Depois de Anne Teresa de Keersmaeker. De Janeiro a Novembro.

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Tim Etchells fotografado ontem em Lisboa: “A crise, as dificuldades e uma certa tensão social fazem com que as pessoas queiram falar” Daniel Rocha
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Void Story DR
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Tomorrow's Parties Cortesia: Maria Matos
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The Coming Storm Hugo Glendinning
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Electric Words, uma das instalações que o Festival Alkantara vai mostrar DR
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And On The Thousandth Night Hugo Glendinning

Tim Etchells gosta de caminhar para pensar. É assim em Lisboa, cidade que o artista britânico conhece bem desde que em 1999 ali apresentou no Festival Danças na Cidade o espectáculo Quizoola!. O seu lugar preferido é um pequeno café que conheceu há mais de dez anos e a que já não sabe voltar.

“É um daqueles sítios que só tem dois ou três pratos no menu e onde se pode estar sentado a ver as coisas acontecerem à volta, a reparar na maneira como as pessoas falam e se comportam”, diz ao PÚBLICO num dos camarins do Teatro Municipal Maria Matos, onde esta segunda-feira foi apresentada a programação da segunda Bienal Artista na Cidade, que em 2014 é inteiramente dedicada à obra de Etchells, familiar ao público português pelo seu trabalho com o colectivo Forced Entertainment. “Aquele café é uma amostra de Lisboa – não sei se é uma amostra em que os lisboetas se reconhecem, mas para mim é como um espelho da cidade.”

É nos cafés e noutros locais públicos  que este homem de 50 anos que fez de Sheffield, cidade industrial do norte de Inglaterra onde nasceu, a sua casa e a da sua companhia encontra muita da matéria-prima com que depois constrói os seus projectos dramatúrgicos, performáticos ou plásticos. Dez dos espectáculos que resultaram da sua prática artística dentro e fora do Forced Entertainmentjá passaram por Portugal, com especial destaque para And on the Thousandth Night, In Pieces (com a bailarina da companhia Rosas Fumyio Ikeda) e, mais recentemente, The Quiet Volume.

De Janeiro a Novembro do próximo ano o público de Lisboa poderá alargar o seu reportório de Etchells em vários palcos e entrar em contacto com a sua obra plástica a partir das instalações em néon que o Festival Alkantara promete espalhar pela cidade. A oferta começa no palco do Teatro Municipal Maria Matos, um dos nove parceiros da próxima bienal, com Tomorrow’s Parties, um espectáculo de pequeno formato em que Etchells e a companhia se entregam a uma das suas actividades de eleição – imaginar o futuro. Seguem-se The Coming Storm (19 a 21 de Março, Culturgest) e And on the Thousandth Night (22 de Março, Culturgest), o primeiro de dois regressos desta programação - Quizoola! também vai voltar em versão alargada no festival Real Magic, que associa o Maria Matos ao Teatro Municipal São Luiz, e que, de 8 a 16 de Novembro, junta conferências e espectáculos do artista britânico, do colectivo que fundou há 30 anos e dos seus convidados.

Francisco Frazão, programador de teatro da Culturgest, a quem coube a tarefa de detalhar o programa esta segunda-feira, fez uma apresentação telegráfica das propostas do “mini-festival” de Novembro: Dirty Work entrega a dois intérpretes a descrição de um espectáculo impossível de tão ambicioso; Sight is the Sense That Dying People Tend to Lose First é uma espécie de enciclopédia inquietante sobre o mundo lida a uma voz, Void Story é “uma mistura de relato radiofónico e fotonovela” que narra uma viagem caótica por paisagens e situações bastante assustadoras; The Notebook baseia-se no romance da escritora húngara Ágota Kristóf Le grand cahier e Institute of Failure é o reflexo perfeito de uma das facetas do trabalho de Etchells – a que explora “um teatro que aposta na poética do falhanço” para “contrariar a lógica capitalista da eficiência”.

Etchells, garante Frazão, habituou-nos a uma abordagem teatral que se questiona – e nos questiona – em espectáculos baseados na ideia de confessar alguma coisa ou de aguentar um sorriso o máximo de tempo possível. Os pontos de partida, aparentemente simples ou fáceis de relacionar com os públicos, transformam-se depois em objectos que testam, reconstroem e recompõem “os nomes e as coisas do teatro”, perguntando a toda hora o que é um texto, um actor ou uma história.

Etchells reconhece que exige muito ao espectador, mas explica que isso decorre de fazer um teatro que conta com a imaginação e as reacções de quem o vê. Muitas vezes para falar dele e dos processos que implica, explicou aos jornalistas, o encenador e dramaturgo vai buscar uma citação de Baudelaire que diz que a relação da criança com o brinquedo passa sempre pela pergunta “como é que eu posso partir isto?”: “A minha relação com o teatro é a mesma. Pego nele como num objecto e esmago-o contra o chão, viro-o ao contrário, tento abaná-lo e parti-lo para depois construir outras coisas com as peças.”

Obra transversal

Voltar a Lisboa para um programa que diz ser “muito ambicioso” em clima de crise e de tensões sociais, quando a arte pode funcionar como factor agregador e identitário, faz-lhe lembrar a Sheffield da década de 1980 em que fundou o Forced Entertainment: “Aprendi nos anos 80 que a arte é importante para mapear a nossa experiência da cidade e do tempo em que vivemos”, disse durante a conferência. “A Lisboa de hoje será um bom sítio para voltar a pensar na relação da arte com um lugar.”

Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura da câmara de Lisboa, que promove a bienal, justificou a escolha de Etchells com a transversalidade da sua obra, adaptável a espaços muito diferentes da cidade, e com a oportunidade de ficar a conhecer a obra plástica do artista.

Etchells, diz a vereadora, tem uma relação especial com Lisboa, o que aliás acontecia já com Anne Teresa de Keersmaeker, a coreógrafa belga que inaugurou a Bienal Artista na Cidade em 2012 e que está sempre disposta a voltar (vai fazê-lo, aliás, no próximo ano, na Companhia Nacional de Bailado e na Gulbenkian, em Abril e Maio). Vaz Pinto falou ainda da projecção internacional do Forced Entertainment para sublinhar que o trabalho em rede não se deve só a imperativos económicos, mas também à necessidade de apresentar projectos de grande escala com nomes como os de Keersmaeker e Etchells, capazes de pôr Lisboa no mapa europeu.

Em 2014, este trabalho em rede contará ainda com parceiros como o British Council, a plataforma de pesquisa artística Carpe Diem, o Festival Temps d’Images e o Centro Cultural de Belém (CCB). É precisamente neste último e na Culturgest que o trabalho dramatúrgico de Etchells traz novidades. No primeiro trabalhará com a Companhia Maior, projecto que envolve intérpretes com mais de 60 anos; na segunda escreverá para o Panos – Palcos Novos Palavras Novas, que alia o teatro juvenil às novas dramaturgias e que é a versão portuguesa do projecto Connections do National Theatre de Londres.

Para o Etchells a idade dos intérpretes deve ser levada em conta, mas não altera o processo. “Os corpos da Companhia Maior têm uma relação diferente com o tempo, têm um peso e uma presença muito próprios. O que me interessa é como o trabalho se instala entre eles. Hoje compreendo melhor estes corpos. Dizia há uns dias a um amigo da minha idade que nós já temos mais passado do que futuro e que isso muda as coisas. Nos primeiros tempos, boa parte do trabalho que fiz com a companhia era sobre as possibilidades do futuro. Acho que, agora, é mais sobre a relação entre o passado e o futuro.”

Em 2014, essa relação passa por vários palcos da cidade: “A crise, as dificuldades e uma certa tensão social fazem com que as pessoas queiram falar. E eu quero falar com elas, quero continuar a conversar com Lisboa.”

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