Braço de ferro sobre taxa anual pode criar “sucessivos anos zero do cinema português”

O não pagamento de cerca de 11milhões de euros por pela Zon, Optimus, Meo, Cabovisão e Vodafone cria risco de nova paralisia no sector e de "sucessivos anos zero", diz a APCA

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A APCA diz ter aberto o seu "período de luta" MIGUEL MANSO

Os produtores de cinema fazem soar o alarme: o facto de a Zon, Optimus, Meo, Cabovisão e Vodafone não pagarem a taxa anual prevista na Lei do Cinema pode criar “sucessivos anos zero do cinema português” e a abertura dos concursos para apoio financeiro já para 2014 pode estar em risco. Por isso, a Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual (APCA) exigiu esta quinta-feira uma “solução política que permita ao sector sobreviver” durante este impasse - em que estão em falta, desde Julho, cerca de 11 milhões de euros, segundo o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA).

Em causa está o incumprimento por parte dos cinco operadores de televisão por subscrição do pagamento da taxa anual – 3,5 euros por assinante, a partir do número médio de subscrições -, que contestam a constitucionalidade da taxa e o facto de ela não lhes permitir escolher que projectos apoiar com a sua contribuição, entre outros argumentos. O facto de os operadores terem rejeitado o pagamento põe em causa “a abertura de concursos para 2014, já no final de Outubro”, precisou o produtor Luís Urbano na conferência de imprensa da APCA – em 2012, os concursos foram suspensos e a resultante paralisia do sector deu a esse período o epíteto de “ano zero do cinema português”.

Prevendo os produtores “uma batalha judicial” entre operadores e Estado que pode durar "três a quatro anos", o cineasta Luís Galvão Teles desafiou, perante uma sala cheia de profissionais do sector em Lisboa, “o Governo a assumir as suas responsabilidades” e que impeça “o colapso deste sector”. Porque, reiterou Luís Urbano, ladeado pelo realizador Luís Filipe Rocha, por Galvão Teles, pela presidente da APCA Pandora Cunha Telles e pelo produtor Paulo Branco, “o sector não vai aguentar um tão longo tempo de espera”. A associação que representa os operadores, a Apritel, já anunciou que estes vão reagir à Lei do Cinema "com os mecanismos legais aos seu dispor".

Questionado pelo PÚBLICO sobre que tipo de solução política esperam os produtores que colmate a falta destas verbas, Urbano defendeu que cabe ao Governo definir uma resposta. “É neste jogo que se vai decidir o futuro do cinema português. Ou há uma resposta política ou o sector vai morrer.” O produtor anunciou que vai processar o Estado pelos prejuízos que o impasse lhe causar e Pandora Cunha Telles disse que, se não houver uma solução breve, “a APCA e os produtores afectados tomarão medidas legais”. “Abrimos um período de luta”, postulou Urbano. “Um sector [dos operadores de TV], por mais forte que seja, não pode estrangular outro”, diz Paulo Branco, frisando que este é um caso de fuga à lei.

A taxa anual está na base do modelo de financiamento público da produção cinematográfica portuguesa, feito através do ICA, mas como lembrou Paulo Branco, “o sector não vive só desta taxa”; ela é “o fermento essencial para depois podermos duplicar ou triplicar os financiamentos para os filmes portugueses” no mercado. O risco de “paralisação total”, de desemprego para “centenas de profissionais”, como descreveu realizador Luís Filipe Rocha, é tão premente quanto o risco em que estará a própria homologação dos concursos deste ano, visto que é necessária para obter garantias bancárias para avançar com a produção de filmes cujas candidaturas foram já aprovadas em 2013.

Esta tarde, assistiram à conferência de imprensa vários produtores como Pedro Borges, Fernando Vendrell, Humberto Santana ou Maria João Mayer , , , realizadores, como Raquel Freire, João Pedro Rodrigues, Vicente Alves do Ó, João Canijo ou José Carlos de Oliveira, bem como o responsável das Produções Fictícias e do canal Q Nuno Artur Silva ou o argumentista Tiago R. Santos.

A conferência de imprensa assinalou, entre outras datas do complexo processo de cobrança coerciva (Vodafone e Cabovisão) e liquidação oficiosa (Meo, Zon e Optimus – que viram a sua fusão aprovada em Agosto, mas mantêm as suas marcas independentes no serviço de TV) às operadoras, um mês passado desde que todas as associações profissionais do cinema enviaram uma carta a Pedro Passos Coelho sobre o caso. “Continuamos sem resposta”, disse Pandora Cunha Telles.

Depois de Paulo Branco ter considerado que os valores em causa são “uma gota de água no oceano do audiovisual português” – “é menos que uma produção de um filme do Woody Allen”, ironizou – e de Pandora Cunha Telles ter quantificado a taxa em 0,87% das receitas médias mensais dos operadores por assinante, Luís Filipe Rocha lamentou o “silêncio ensurdecedor” da tutela e da Presidência da República sobre o caso. A realizadora e deputada do Partido Socialista Inês de Medeiros respondeu da plateia que o tema será debatido na Assembleia da República já no dia 9, quando o modelo de financiamento da Cinemateca Portuguesa vai a plenário, e que o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, estará presente no Parlamento em sede de comissão parlamentar.

Notícia alterada às 19h05: mudança de título; corrigida às 10h49 de dia 4 com precisão no último parágrafo sobre motivo da presença do Secretário de Estado no Parlamento
 

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