Para quando um partido dos autores europeus?

Talvez tenha chegado o momento de se darem passos concretos no sentido da criação de um Partido dos Autores Europeus.

Em Maio de 2014, os cidadãos dos 28 países da União vão a votos para elegerem o próximo Parlamento Europeu. É grande a expectativa quanto ao grau de participação, já que nunca se reduziu verdadeiramente o fosso de desconhecimento e desinteresse entre os eleitorados nacionais e a instituição cujos titulares vão escolher, talvez por não levarem em conta o modo como as decisões do eixo Bruxelas-Estrasburgo condicionam a vida das comunidades de cada país e, já agora, a vida de cada um nós.

Numa recente reunião com sociedades de autores de toda a Europa, a responsável da Comissão Europeia pela estrutura máxima da Cópia Privada, Kyrsten Jorna, afirmou que “as próximas eleições europeias terão de ter candidatos fortes, pois deles vai depender o início de um novo ciclo e em boa parte o próprio futuro da Europa da União, mas com base em ideias claras”.<_o3a_p>

No balanço que já é possível fazer deste mandato do Parlamento Europeu, poderá dizer-se que as desenvolvidas em defesa dos autores e dos artistas deixaram muito a desejar. O mais acabado exemplo dessa incapacidade ou incompetência foi o que se passou com a tão esperada Directiva da Cópia Privada. Com base num parecer produzido pelo ex-comissário europeu António Vitorino, essa directiva foi remetida para as calendas, o que se traduziu num significativo prejuízo para todas as entidades que podem beneficiar das receitas da Cópia Privada, desde os autores ao editores da área da comunicação social, passando pelos artistas e pelos editores de livros. Esta manobra dilatória é reveladora das hesitações da Comissão Europeia quando se trata de assumir posições claras e justas em matérias inadiáveis.<_o3a_p>

Como seria de prever, os governos nacionais utilizaram este adiamento táctico como pretexto para não avançarem com legislação sobre a Cópia Privada. O que se passa em Portugal neste domínio é também tristemente exemplar e esteve já na origem de uma queixa contra o Estado Português interposta pela Associação para a Gestão da Cópia Privada. Portugal precisa de eurodeputados aptos a defenderem as questões culturais com um empenhamento e um grau de informação que em regra não têm demonstrado, talvez por entenderem que se trata de uma área subalterna de escasso interesse eleitoral.<_o3a_p>

Entretanto, verifica-se que, no Parlamento Europeu, a voz dos Partidos Piratas se vai fazendo ouvir, beneficiando do silêncio de quem devia ter a coragem de tomar posições correctas em matéria de defesa dos direitos dos autores, dos artistas e dos agentes culturais em geral. É até possível que a expressão parlamentar desses partidos venha a aumentar no próximo mandato e que o Partido Pirata Europeu se instale formalmente no Luxemburgo, utilizando uma agenda e um programa mínimos.<_o3a_p>

Talvez tenha chegado, por isso, o momento de se darem passos concretos no sentido da criação de um Partido dos Autores Europeus, com sede num dos países centrais da União que defenda de forma sistemática e organizada os direitos daqueles que são determinantes para a criação de uma diversificada e pujante cultura europeia e para a demonstração prática de que a cultura tem uma inegável capacidade de criar emprego, riqueza, receita fiscal e de fortalecer as identidades nacionais.<_o3a_p>

A veemência com que dezenas de realizadores de várias nacionalidades europeias ergueram recentemente a voz em defesa do princípio da excepção cultural por ocasião das negociações sobre o audiovisual com os Estados Unidos e o modo corajoso como Pedro Almodóvar denunciou a acção destrutiva do governo do seu país em relação à produção cinematográfica espanhola mostra que vozes, ideias e predisposição para o combate não faltam. Para além disso, quem dá a voz, o nome e o rosto pela defesa destas causas tem uma visibilidade mediática transnacional que poucos políticos alcançam e que os “piratas” nunca alcançarão.<_o3a_p>

Um Partido dos Autores Europeus, numa altura em que se multiplicam as movimentações nem sempre claras e conseguidas para fazer surgir novas estruturas partidárias, tem todas as condições para ser uma ferramenta de intervenção e combate de muitas centenas de milhares de autores de vários países e disciplinas, actuando numa lógica de complementaridade com as sociedades de gestão colectiva. A ideia está lançada e com ela um debate que os autores e as estruturas que os representam talvez desejem levar por diante, nesta Europa de futuro incerto, cada vez mais envelhecida e subalternizada pelos outros grandes poderes em ascensão. Para além disso, com as forças de extrema-direita em crescimento acelerado será também urgente que se reforce a luta pela liberdade de expressão e criação cultural, antes que seja demasiado tarde.<_o3a_p>

<_o3a_p> Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores<_o3a_p>
 
 

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