Os robôs-escultura de Nam June Paik mostram-se no Smithsonian

A primeira grande exposição feita a partir dos arquivos do "pai da videoarte" está a partir desta quinta-feira no museu Smithsonian, em Washington.

A exposição está no Smithsonian até Agosto de 2013
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A exposição está no Smithsonian até Agosto de 2013 Fabienne Faur/AFP
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A obra de Paik é multidisciplinar, como se vê na mostra em Washington Fabienne Faur/AFP
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TV is Kitsch, que não integra a exposição do Smithsonian, é um exemplo das esculturas robóticas de Paik Mike Clarke/AFP

O arquivo é gigantesco, pleno de televisores retro, jornais, robôs, cartas ou escritos sobre história e tecnologia. E o museu Smithsonian, em Washington, expõe agora uma parte do espólio do sul-coreano Nam June Paik, pensador do futuro da arte, considerado o “pai da videoarte” e um dos mais importantes artistas plásticos da segunda metade do século XX. Desenhos, fotografias ou brochuras são mostradas pela primeira vez ao público a partir desta quinta-feira na capital dos EUA pela instituição que alberga a maior colecção de trabalhos de Paik.

“Picasso revolucionou a forma de ver a pintura e a escultura na primeira metade do século XX” e Nam June Paik fez o mesmo “na segunda metade” do século XX, diz a directora do museu Smithsonian, Elizabeth Broune, citada pela agência AFP. O sul-coreano, plenamente integrado na cena artística europeia e norte-americana, morreu em 2006 – como assinala o Washington Post, um ano depois do nascimento do YouTube, que pode muito bem ser entendido como a materialização de uma das suas muitas previsões e ideias sobre a tecnologia e a sua prevalência no quotidiano.

Não por acaso, a exposição que se prolonga até 11 de Agosto de 2013 intitula-se Nam June Paik: Global Visionary – ao longo da sua carreira, produziu obras que fazem a ponte entre as artes performativas e as artes plásticas (veja-se Merce/Digital, de 1988, tributo escultórico com televisores ao bailarino Merce Cunningham), entre a tecnologia, as suas formas e potencial social. Falava de uma “literatura sem livros”, como nota também o Post, e é o autor da expressão (em 1974) que precedeu a revolução tecnológica: “a super auto-estrada electrónica”.

Em 2009, o acervo do artista visionário foi colocado à disposição de várias instituições museológicas de primeira linha, como o Museum of Modern Art (MoMA) ou o Guggenheim, que deveriam fazer propostas sobre a forma como o acolheriam, tratariam e exporiam. Um arquivo altamente desejado de um artista que tem peças nas principais colecções museológicas do mundo, entre as quais Wrap Around the World Man, de 1990, integrado na portuguesa Colecção Berardo. O Smithsonian American Art Museum foi o escolhido pelos gestores do seu legado, propondo-se a criar um centro de estudos com o seu nome e a catalogar os milhares de itens que lhe chegaram às mãos, para que sirvam de base a académicos e que continuem a influenciar e a inspirar novas gerações de artistas, como indica a instituição. Que visa agora, com a primeira grande exposição feita a partir dos seus arquivos, “procurar o lastro do desenvolvimento da prática artística e das ideias ao longo de mais de 40 anos”.

Nam June Paik: Global Visionary inclui 67 obras e mais de 140 objectos do Arquivo Nam June Paik, propriedade do Smithsonian, que apresenta ainda na exposição três obras icónicas que destaca na apresentação da mostra: Zen for TV (1963/1976), Megatron/Matrix (1995) e Electronic Superhighway: Continental U.S., Alaska, Hawaii (1995). O Smithsonian inclui ainda na exposição peças do artista de referência de colecções privadas e públicas de todo o mundo, como a instalação TV Garden (1974/2000), do Guggenheim, ou poucas vezes exposto Moon Projection with E Moon and Birds (1996), cedido pelo Paik Estate, gestor do seu legado.

John G. Hanhardt, comissário da exposição e um dos maiores peritos do mundo na obra de Paik, sublinha à AFP que o artista tinha como objectivo “humanizar a tecnologia” de várias formas, muitas vezes com humor, além do seu claro apego à forma do próprio televisor, a caixa que integrou em tantas das suas obras, da escultura ao desenho. Foi nos anos 1960 que começou a trabalhar este meio, o vídeo, integrando-o na expressão artística como em Magnet TV, de 1965, em que um enorme íman em forma de ferradura encima um televisor ligado e gera imagens abstractas. “Foi o primeiro a compreender verdadeiramente como a televisão ia transformar tudo”, diz à AFP a directora do museu, Elizabeth Broune.  

Lá está ela, a televisão e o seu hardware, o televisor, em muitas obras-chave do autor: ao longo da exposição vê-se a supracitada TV Garden, mas também TV Buddha, em que um buda observa a sua própria imagem filmada, ou TV Bra for living sculpture, sobre a qual o próprio autor fala da tal ideia de humanização da tecnologia: “É um exemplo preciso para humanizar a electrónica…  e a tecnologia. Ao usar a TV como um soutien… o pertence mais íntimo do ser humano, demonstramos a utilização humana da tecnologia e também estimulamos os espectadores, NÃO por algo maldoso, mas ao estimular a sua phantasia [sic] ao procurar as novas formas, imaginativas e humanísticas, de usar a nossa tecnologia”. Escreveu-o sobre a peça em que nos dois pequenos ecrãs a violoncelista Charlotte Moorman actua em Nova Iorque em 1967 para o descritivo de TV Bra para uma exposição no americano Walker Art Center, em 1999.

Paik era amigo de Cunningham, de Moorman ou de John Cage, inventou com o engenheiro japonês Shuya Abe o revolucionário vídeosintetizador Paik-Abe, fez as famosas performances Fluxus, e produziu inúmeras peças ao longo de mais de 50 anos de carreira. Morreu em Miami em 2006, aos 74 anos, depois de ter vivido em Seul, Munique (onde estudou História da Música) ou Nova Iorque.
 
 

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