Os anos 1980 sem artifícios, mas com a fanfarra do design da década da transgressão

Os Iconoclastas anos 80 cantam os parabéns ao Museu do Design e da Moda no seu quinto aniversário a par de Flags of the World, instalação de bandeiras que estão lá, mas não estão.

Uma peça de mobiliário no núcleo Silhuetas Singulares
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Uma peça de mobiliário no núcleo Silhuetas Singulares rui gaudêncio
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Camisola Vivienne Westwood e Malcolm McLaren no núcleo Gestos Transgressores rui gaudêncio
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Óculos Alain Mikli para Claude Montana (1987) rui gaudêncio
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Peça de Yves Saint Laurent e Mobile Giallo (1988), de Ettore Sottsass rui gaudêncio
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Núcleo Ultrarromânticos rui gaudêncio
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Coordenado Kenzo e sapatos no núcleo Ultrarromânticos rui gaudêncio
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Núcleo Ultrarromânticos rui gaudêncio
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Peças de Jean-Charles Castelbajac rui gaudêncio
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Peças de Jean-Charles Castelbajac rui gaudêncio
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Coordenado Galliano, ao fundo, e peças da primeira colecção de Westwood e McLaren em primeiro plano rui gaudêncio
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Sofá "Hannah" de Teruaki Ohashi rui gaudêncio
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"Flags of the World", de João Felino, na sala Pereira Coutinho rui gaudêncio

São os anos 1980, mas despidos de artifícios - salvo aqueles que nos transmitem as próprias peças, do Estrado de Eduardo Souto Moura às silhuetas de uma tríade essencial da moda da década, Thierry Mugler, Claude Montana e Azzedine Alaïa. Os Iconoclastas anos 80 cantam os parabéns ao Museu do Design e da Moda (Mude), em Lisboa, sem música nem excessos na sua apresentação, mostrando pela primeira vez muitas peças de design de equipamento e de moda da colecção Francisco Capelo e propondo, afinal, que averiguemos do seu grau de pureza eighties.

O Mude faz cinco anos e um dos pontos fortes do seu acervo é exactamente a década de 1980 (a par da de 1950), sendo por isso uma escolha natural, segundo as comissárias da exposição – Bárbara Coutinho, directora do museu, e Anabela Becho, sua conservadora de moda –, apostar na década dos néones, dos reinados pop e do espectáculo. É por que, defende Bárbara Coutinho, é preciso vê-la fora da “grande encenação de imagem e som” que normalmente a acompanha e, completa Anabela Becho, abandonar essa “imagem redutora” dos 80s e deixar “as peças contar a história da década”.

E na moda e no design essa narrativa começa pela liberdade experimentalista, com Gestos Transgressores, que já despontavam na cena punk do final dos anos 1970, cortesia dos incontornáveis Vivienne Westwood e Malcolm McLaren. Depois consolida-se no segundo dos sete núcleos da mostra, Piratas e Piratarias, onde se apresentam várias peças da primeira colecção de passerelle dos reis da moda punk e um conjunto inicial, Pierrot, de John Galliano. Inglaterra domina neste princípio de todas as coisas eighties, período “fundador em muitos aspectos da nossa contemporaneidade”, diz Bárbara Coutinho na apresentação à imprensa da mostra que ficará até 31 de Agosto no museu.

Apropriações, pilhagens, construções que os anos 1980 tornaram depois Silhuetas Singulares, da cadeira S (1987) ou do raro candeeiro de Tom Dixon às interpretações da sensualidade angulosa por Mugler, Alaïa e Montana na moda. Há obviamente ecos do Memphis Group, formas geométricas e cores que nos interpelam mesmo que não queiramos, vestidos e casacos Saint Laurent, Madame Grès e Lacroix restaurados de propósito para esta exposição – e todos peças “de alta costura”, sublinha Becho. Estreiam-se para o público do Mude o Mobile Giallo (1988) de Ettore Sottsass, uma bolsa e dois conjuntos de Romeo Gigli saídos directamente de uma pintura de Watteau para um vídeo glamoroso dos Talking Heads, Ultrarromânticos neste núcleo como a peça Kenzo e o vestido em veludo cristal da única designer de moda portuguesa na mostra, Manuela Gonçalves.

A explosão mais literal identificável com a imagética da década está no núcleo sobre as Artes no Exercício do Design, em que os estampados e cores de Jean-Charles de Castelbajac se sentam à mesa de Gaetano Pesce enquanto o mini-vestido barroco e clássico Versace os olha sobranceiramente. Há ainda um final à anos 1990, novas silhuetas protectoras, “um novo corpo” criado pelos designers japoneses como a Comme des Garçons que “intelectualizaram a sensualidade” a partir de Paris, onde desfilavam, completa Anabela Becho.

Londres-Paris, portanto, com paragens em todo o mundo, Portugal de Souto Moura e Pedro Silva Dias incluído. Os anos 1980 de “uma perspectiva mais formalista”, centrada na polissemia das peças, dos seus materiais e formas até chegarmos à “ruptura com modelos e cânones pré-estabelecidos”, resume Bárbara Coutinho. E Iconoclastas por se tratar de um período “destruidor e crítico de um paradigma, para a criação de um outro”.

Além dos 80s, o Mude inaugura também esta quinta-feira a instalação Flags of the World, do artista plástico João Felino, que transformou a sala Pereira Coutinho num expositor interpelativo em que 12 bandeiras estão lá, mas não estão. Descolorou bandeiras mais identificáveis, como a portuguesa, a espanhola, a brasileira ou, claro, numa evocação imediata do trabalho de Jasper Johns, a americana. Mas deixou outras tantas no limbo depois de lhes tirar o que separa a Alemanha da Rússia, por exemplo – as suas verdadeiras cores.

Se o white cube da galeria seria a casa imediata para Flags of the World, Felino escolheu esta sala do Mude por desejar um primeiro momento de recepção que não fosse tão codificado: "É uma instalação pura, há uma apropriação de espaço, um acordo perfeito entre os panos e a sala.” Agrada-lhe, como à direcção do museu, a contaminação entre disciplinas e códigos, e Flags of the World, explica, “ganha um significado único por estar aqui”.

Cinco anos de balanço e de futuro

Em datas redondas, tempo de contas: o Mude teve 1,1 milhões de visitantes até ao final de 2013, com o ano passado a ser o mais visitado de sempre desde a inauguração do museu, com 282.401 visitantes, muito graças à sua mais popular exposição de sempre, a retrospectiva do trabalho do criador de moda português Felipe Oliveira Baptista, que se prolongou até 30 de Março deste ano – o top três de mostras do museu completa-se com Lá vai ela, formosa e segura, scooters da colecção de João Seixas, 1945-1970, realizada em 2010, e Kukas - Uma Nuvem Que Desaba em Chuva, de 2012. Se há dois anos o orçamento para programação, saído do Turismo de Portugal, era de 550 mil euros, este ano foi fixado nos 389 mil euros, o que implica “rentabilizar recursos”, diz Coutinho, desde o prolongamento da estadia das mostras até à reutilização de materiais e rigor acrescido nas montagens, por exemplo.

Quanto ao projecto de arquitectura que visa reabilitar o edifício, antiga sede do Banco Nacional Ultramarino, sofreu mais uma derrapagem nos prazos mas está “em revisão final”, mantendo-se o orçamento de dez milhões de euros e que deve seguir para sessão camarária.

A programação para o resto do ano está já definida: a 19 de Junho inaugura-se uma “uma grande instalação” do writer de graffiti e empresário de lifestyle André Saraiva, que terá como complemento um painel de azulejos do autor junto à Feira da Ladra, em Lisboa. A 24 de Julho, O respeito e a disciplina que a todos se impõem, comissariada por João Paulo Martins, é um regresso do Mude à arquitectura de interiores e ao mobiliário, debruçando-se sobre o trabalho da Comissão para Aquisição de Mobiliário, que entre 1940 e 80 contribuiu para “modelar a paisagem interior de edifícios representativos do Estado”.

Mais para a frente, a 18 de Setembro, os figurinos e cenários de António Lagarto são passados em revista, sendo a rentrée também marcada pela exposição da colecção de acessórios de André Leal, nos cofres do museu, seguindo-se a 9 de Outubro uma mostra sobre os tecidos tradicionais japoneses boro em articulação com a exposição Naked Shapes de objectos em alumínio do Japão, também eles na óptica da reutilização de materiais e ambas organizadas pelo espaço de experimentação criativa Domaine de Boisbuchet.

A 15 de Novembro, descobre-se Como se pronuncia design em português, uma exposição que terá já uma primeira encarnação em Pequim, por ocasião da Beijing Design Week, para onde viajarão cerca de 60 peças de design de produto, para depois marcar o final do ano tanto no Mude quanto em Paredes para falar sobre o desenvolvimento do design português durante os últimos 34 anos. Segundo a directora do museu, há já planos e interessados para que desta resulte a primeira itinerância internacional de uma mostra concebida no Mude.

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