Obrigado, Ricardo

O prazer de ver Ricardo Araújo Pereira (R.A.P.) e Miguel Guilherme todos os dias úteis começou anteontem à noite. Melhor do que Falecer faz rir, mas vai além do humor. É uma comédia humana. É incrível: não perde nada traduzido para outras línguas.

Está muito bem escrito e interpretado. Em vez de fazer uma inversão simples da situação em que se convence uma pessoa a não se suicidar, R.A.P. juntou argumentos convincentes para deixar de viver, alcançando uma via rápida para o não-sofrimento que não precisa das décadas de sacrifício e iluminação que exige o budismo.

O suicida quer mesmo ajudar a pessoa que escolheu viver. E, no fim, deixa-se convencer por uma razão que, não tendo graça nem subtileza, é grosseira, mas nunca mais ou menos do que humana. A palavra pode ser tetas, mas o significado é sexo.

Até aqui há coragem. Melhor que Falecer é antinietzschiano e Nietzsche está na moda há tempo de mais. A celebração da nossa miséria ontológica, sem a engrandecer, é muito mais ambígua. E logo mais verdadeira. As aporias existenciais de R.A.P. prometem ser sempre fascinantes, divertidas e extremamente inteligentes.

Venceu nas calmas o excesso obsceno de promoção. O genérico – visual e musical – é uma obra-prima que resistiu ao overkill. O Ricardo descolou-se de todas as colagens e manteve-se o escritor e artista imprevisível e perigoso que cada vez é melhor, sem perder o dom adulto e generoso de divertir, partilhar e fazer, subversivamente, rir.

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