O que faríamos da colecção Miró caso ficasse em Portugal?

No seu parecer à DGPC, o director do Museu do Chiado, David Santos, defendeu a integração das obras nesta instituição. No entanto, há outras hipóteses: o Museu Berardo, por exemplo.

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O imbróglio dura há mais de um ano. O MP já avançou com duas acções principais e quatro providências cautelares para impedir a venda das obras Reuters

É prematuro discutir o destino da colecção Miró em termos da sua integração em acervos nacionais. É arriscado, num momento em que tantas questões sobre o percurso e futuro deste núcleo de obras estão em aberto, dizem especialistas. Sobretudo quando, apesar da polémica, o Governo vem reiterando a sua irredutibilidade na decisão da venda. Em bastidores, no entanto, é um debate inevitável: qual a melhor instituição portuguesa para acolher as 85 pinturas, desenhos e colagens do surrealista catalão caso estas venham a ficar no país?

O historiador de arte e actual director do Museu Berardo Pedro Lapa, por exemplo, acha que, neste momento, “arriscamos tomar decisões menos correctas e ponderadas”. No entanto, a apontar uma instituição, avançaria o nome daquela que actualmente dirige – o Museu Berardo.

Durante 11 anos, entre 1998 e 2009, Lapa esteve à frente Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado (MNAC). Esse museu é desde Dezembro dirigido pelo também historiador de arte David Santos. E foi a estes dois especialistas que a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) recorreu para os pareceres sobre a eventual saída da colecção Miró. A posição de ambos foi a mesma: as obras deveriam ficar em Portugal. Discordam, contudo, no destino que se lhes deveria dar.

Ontem, David Santos recusou ao PÚBLICO quaisquer comentários sobre o agora polémico caso da colecção. No entanto, no parecer que entregou à DGPC, apelou à integração dos 85 desenhos, pinturas e colagens do artista catalão nos acervos do MNAC. Pedro Lapa acha que não é a melhor solução: “O MNAC tem uma colecção estritamente nacional. É a sua missão. Não faz sentido entrar ali um núcleo internacional. Ficaria a pairar, desarticulado”, diz. Já o Centro Cultural de Belém (CCB) “foi criado com a possibilidade de albergar um ou mais museus”, recorda.

Neste momento o CCB tem no espaço do seu antigo Centro de Exposições apenas o Museu Berardo. E apesar da tensa relação que várias presidências do CCB – incluindo a actual – têm mantido com esta convivência, Lapa acha que “não há motivo para o CCB não poder ter também um museu Miró”.

“Seria uma complementaridade mais do que óbvia. O Museu Berardo tem um excelente núcleo surrealista; a expansão com o Miró seria potenciadora”, diz Lapa. Acrescentando: “Faria todo o sentido. Permitiria dotar este equipamento [público] com uma colecção de propriedade nacional, que não é o que acontece agora, porque tem apenas um comodato privado”.

É mais um problema com que o país terá que lidar a breve prazo: como gerir o fim do acordo de comodato da Colecção Berardo no CCB que termina já em 2016? Nesse momento, o Estado português terá opção de compra do acervo. Uma opção que é quase certo que não será accionada. Berardo poderá então tirar a sua colecção do CCB, deslocando-a. Outra hipótese é que nesse momento a Caixa-Geral de Depósitos (CGD) entre na posse da colecção ou de parte dela ao executar as garantias das dívidas de Berardo à banca, caso elas não sejam entretanto saldadas ou não venha a existir outro acordo entre as partes.

Apesar de o ex-ministro da Cultura Augusto Santos Silva ter falado já publicamente na hipótese Serralves, o museu portuense não se afigura como o destino mais óbvio, dada a especificidade da sua colecção que, apesar de internacional, se foca na produção artística dos anos 1960 em diante. Contudo, haveria destinos ainda menos evidentes mas igualmente possíveis. Por exemplo, a própria CGD, o banco do Estado: na Culturgest, o seu braço operativo na Cultura, a CGD tem já uma colecção de arte internacional; esta, como a de Serralves, foca-se também na criação datada da segunda metade do século XX em diante, no entanto, se por hipótese a CGD viesse a entrar na posse da Colecção Berardo, esta perfilar-se-ia como enquadramento. 

Outra hipótese ainda – de conciliação de interesses e mais-valias de duas instituições – seria a integração da colecção nos acervos do MNAC ficando esta em exposição no Museu Berardo. É uma solução que fortaleceria o MNAC, dotando-o com uma moeda de troca forte com instituições internacionais, ao mesmo tempo que oferecia às obras um contexto expositivo.

A historiadora e responsável pelo Departamento de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa Raquel Henriques da Silva, em tempos directora do Instituto Português dos Museu e também do MNAC, não comenta qualquer destas hipóteses. Refere apenas o que considera “absolutamente fundamental”: “Convidar os melhores especialistas [mundiais em Miró] e pedir um parecer circunstancial sobre estas obras”.

É um passo em falta no processo de alienação da colecção. Outro passo – habitual em países cuja opção primeira, nestes casos, antes da venda, é tentar uma angariação pública de fundos –, seria a apresentação nacional das obras, que nunca foram expostas desde que chegaram a Portugal em data incerta e que, desde então, foram publicamente vistas apenas em Londres, na mostra organizada pela Christie’s para as apresentar aos seus potenciais compradores. Pedro Lapa diz mesmo considerar que essa deveria ser uma mostra itinerante, apresentada não apenas em Lisboa e no Porto mas também em cidades como Castelo Branco, Évora e Bragança, onde existem novos equipamentos públicos dedicados às artes visuais. "Era fundamental apresentar estas obras aos portugueses. Era bom que os portugueses pudessem perceber do que se está a falar e o que está em causa.”

Para o vereador da Cultura da Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, além de pensar em Serralves, não lhe desagradaria a alternativa de expor estes trabalhos num espaço da zona ribeirinha. Lembrando que “a Ribeira do Porto é património mundial e tem tido um crescimento turístico muito grande”, Cunha e Silva observa que o aparecimento de novos restaurantes e hotéis não tem tido como contrapartida um refrescamento da oferta cultural, que “continua um pouco confinada ao que sempre foi”. “Se o secretário de Estado da Cultura quiser oferecer-me a colecção”, brinca, “com certeza que lhe arranjaria um espaço no Porto”. com Luís Miguel Queirós

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