O manuscrito de Sade roubado retorna a França

No ano das comemorações do bicentenário da morte do Marquês de Sade, Os cento e vinte Dias de Sodoma é comprado por francês

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Pormenor do manuscrito wOs cento e vinte Dias de Sodoma AFP PHOTO / MARTIN BUREAU
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O manuscrito de Os cento e vinte Dias de Sodoma AFP PHOTO / MARTIN BUREAU
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Gerard Lheritier, presidente do Institut des Lettres et des Manuscrits e o manuscrito AFP PHOTO / MARTIN BUREAU

São doze metros de folhas coladas umas às outras que têm escrita dos dois lados uma obra inovadora do século XVIII. O rolo com o manuscrito de Os cento e vinte Dias de Sodoma , do escritor francês Marquês de Sade, voltou a França, onde foi escrito, depois de uma história de roubos, disputas, vendas e revendas.

O manuscrito foi agora comprado por 7 milhões de euros por Gérard Lhéritier, presidente fundador do Museu de Cartas e Manuscritos, uma instituição privada, e está segurado em 12 milhões de euros pela Lloyds, revelou esta quinta-feira a AFP. “Este manuscrito excepcional, roubado em 1982, assinalado pela Interpol e disputado por duas famílias, está finalmente de volta a França depois de uma história rocambolesca. Foram três anos de duras negociações”, disse à agência de notícias o novo proprietário, que vai mostrar a peça ao grande público em Setembro, no Instituto das Cartas e Manuscritos, em Paris.

Depois de ter vários proprietários, em 1929, o rolo é comprado por Marie-Laure de Noailles, descendente do Marquês de Sade, e é roubado por um editor seu amigo que o vendeu por 300 mil francos (aproximadamente 500 mil euros) ao coleccionador suíço de obras eróticas Gérard Nordmann. Aqui se inicia uma longa batalha judicial: em 1990, os tribunais franceses declaram que, tendo sido roubada, a peça deveria ser devolvida à família Noailles; em 1998, a Justiça suíça decide a favor da família Nordmann ao declarar que o manuscrito foi comprado legalmente.

O último capítulo desta história acontece agora que Gérard Lhéritier pagou uma parte dos 7 milhões de euros a Serge Nordmann, filho de Gérard Nordmann e proprietário legítimo segundo os tribunais suíços, e outra parte a Carlo Perrone, herdeiro dos Noailles, proprietários legítimos segundo os tribunais franceses.

O objectivo de Lhéritier é fazer deste manuscrito tesouro nacional, para que possa permanecer em França. “Propus guardar o rolo cinco anos e doá-lo depois à Biblioteca Nacional de França, mas o ministro da Cultura ainda não respondeu”, disse Lhéritier à AFP.

Escrito em 1785 durante a prisão de Sade na Bastilha, Os cento e vinte Dias de Sodoma (ed. Antígona)  é uma ficção com práticas sexuais que envolvem orgias e agressões sexuais – acusações que levaram Sade por várias vezes à prisão. A faceta libertina é a mais conhecida do Marquês de Sade e foi graças a ela e às descrições nos seus livros que associam tortura e dor a práticas sexuais que o seu nome levou, em várias línguas, ao termo sadismo.

A sua obra influenciou autores como Victor Hugo ou Gustave Flaubert, que o liam clandestinamente no século XIX, já que a sua obra era censurada por ser imoral. Honoré de Balzac inspirou-se mesmo em Sade para escrever A Rapariga Olhos de Ouro, disse em à BBC o historiador Gonzague Saint Bris, autor do livro Marquis de Sade – L'Ange de l'Ombre (Marquês de Sade – O Anjo da Sombra), publicado este ano. Este é o primeiro de uma série de livros a serem publicados em França para celebrar o autor e pensador no bicentenário da sua morte.

“Sade estava à frente do seu tempo”, diz Saint Bris, que exemplifica com o facto de Sade ter sido contra a pena de morte. As iniciativas das comemorações dos duzentos anos sobre a morte de Sade querem divulgar a obra e dar a conhecer o pensamento inovador deste humanista. Preso por diversas vezes em todos os regimes políticos que viveu – monarquia, república, consulado de Napoleão e império –, Sade foi pela primeira vez transferido para um manicómio, antes da Revolução Francesa, por gritar à janela da sua cela na Bastilha que nesta prisão se degolavam os prisioneiros.

As comemorações do bicentenário acontecem até ao final de 2015 e querem mostrar todas as facetas deste iluminista através da publicação de livros, publicação de cartas do Marquês de Sade à sua mulher, uma exposição em Novembro no Museu d’Orsay, em Paris, sobre a influência de Sade nas artes.

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