O Jeu de Paume já não pode mostrar nus no Facebook, mas agora descreve-os (ao pormenor)

Com 31 mil seguidores, o museu parisiense teve a sua conta nesta rede social fechada por 24 horas como sanção à publicação de uma fotografia de 1939

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A fotografia, Étude de Nu, trabalho de 1939, funcionava como anúncio da retrospectiva que a instituição dedica à autora: Laure Albin Guillot

A imagem não está lá, mas estão as palavras, talvez até mais sugestivas. Por exemplo: “O modelo levanta os braços, oferece o colo e a anca, desvia a cara, fecha um pouco as coxas […] negligenciamos a personalidade daquele que posou para nos deleitarmos com a sua beleza carnal.” Ou: “Este mamilo franco, incorporado no cimo do seio […] salta alegremente para fora do plano da imagem, a convidar, quase a desafiar quem o vê a experimentar a doçura do seu covil almofadado e circular.”

Desde sábado, são assim as mensagens que o Jeu de Paume, o museu parisiense, deixa aos seus mais de 31 mil seguidores no Facebook. Foi um crescendo, desde dia 4, quando a instituição escreveu uma mensagem de saudade aos seus seguidores: “Sentimos a vossa falta!” Na véspera, a instituição viu a sua conta nesta rede social ser fechada por 24 horas como sanção por uma “infracção às regras da comunidade”: a publicação de um nu.

A fotografia, Étude de Nu, trabalho de 1939 que mostra uma mulher reclinada sobre uma cama, o sexo tapado pela ponta de um lençol e o peito e descoberto, funcionava como anúncio da exposição retrospectiva que a instituição dedica à autora: a francesa Laure Albin Guillot. Da parte do Facebook, porém, teve o mesmo tratamento que qualquer nu – mereceu a sanção de 24 horas e um aviso à instituição. O terceiro, depois de avisos idênticos devidos à publicação anterior de nus de outros dois fotógrafos: o francês Willy Ronis e o mexicano Manuel Álvarez Bravo.

Segundo as regras da comunidade, uma quarta infracção poderá levar ao encerramento permanente da conta do Jeu de Paume. E a instituição tomou uma decisão: “Não publicaremos mais nus, ainda que acreditemos que o seu valor artístico é grande”, explica a mensagem de dia 4, sublinhando não haver “nada de pornográfico” no tipo de imagem que levou aos avisos.

Dois dias depois, palavras de agradecimento (aos seguidores) e crítica (à rede social): “O Jeu de Paume agradece a todos as mensagens de apoio […] a polémica deve incitar os administradores do Facebook a reconsiderar a sua posição. Não diferenciar uma obra de arte de uma imagem de carácter pornográfico é uma amálgama duvidosa, mas, sobretudo, perigosa. Contamos com o debate para que as ‘normas da comunidade Facebook’ sejam revistas e recusemos de futuro submeter-nos a toda a forma de censura.”  

No sábado, a mensagem do Jeau de Paume é já um programa de acção: “O Facebook impede-nos de publicar nus fotográficos? O Jeu de Paume descreve-os pondo em evidência a intenção de uma artista e da sua obra.”

A primeira descrição de um nu, que em cima citamos, foi publicada nesse mesmo dia. É parte de um texto de Delphine Desveaux, co-comissária da exposição Laure Albin Guillot (1879-1962), l’enjeu classique, que o Jeu de Paume inaugurou a 26 de Fevereiro e tem aberta ao público até 12 de Maio. O segundo excerto, publicado no domingo, vem de um texto da historiadora e crítica de media contemporâneos Shelley Rice, da Universidade de Nova Iorque.

Não é a primeira vez que, nos últimos anos, a penalização dos chamados “nus artísticos” como pura pornografia causa polémica. E não só no Facebook, tendo levado à retirada de obras de exposições e mesmo ao encerramento de mostras. Em Portugal, em 2009, a PSP de Braga apreendeu numa feira do livro cinco exemplares de uma obra sobre pintura que tinha na capa uma reprodução da famosa pintura A Origem do Mundo, de Gustave Courbet (1819-1877).
 
 

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