O filme "A Turma" estreia hoje mas os pais portugueses dizem que a nossa escola não é assim tão má

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O filme "A Turma" do realizador Laurent Cantet venceu a Palma de Ouro no último Festival de Cannes DR

Graças a Deus, esta não é a nossa escola". A frase sai com um suspiro de alívio e é subscrita pelos quatro pais que o PÚBLICO reuniu numa sala para ver "A Turma", o filme em que o francês Laurent Cantet retrata as tensões de uma escola de um bairro problemático de Paris - em estreia hoje nas salas portuguesas.

Não é que não se repitam nas salas de aula portuguesas os episódios de tensão retratados no filme que, aliás, viaja entre a ficção e o documentário e até é protagonizado por alunos de uma escola real. E não é que não aconteça a estes pais detectarem nos filhos o mesmo tédio em relação à escola nem que não lhes intuam uma ocasional insolência perante a autoridade do professor. Mas, ainda assim, estes pais não se revêem no filme que venceu a Palma de Ouro no último Festival de Cannes.

"As nossas turmas não são iguais a esta turma que é multirracial e composta quase só por alunos problemáticos. As nossas turmas têm alunos com problemas, mas temos conseguido fugir àquela coisa de criar as 'turmas dos maus' e as 'turmas dos bons' - que é, aliás, reforçada pelos próprios rankings", rejeita Manuel Monteiro, de 60 anos, pai de um adolescente com 17, para quem "o normal nas escolas portuguesas é colocar dois ou três alunos problemáticos numa turma boa para que eles sintam a pressão dos melhores". No filme, "o que se vê são dois ou três bons alunos que são puxados para baixo por uma turma de maus alunos".

Colocado no centro de uma acesa discussão sobre a escola actual, o filme o que faz é desdramatizar o conflito: assume que os alunos se aborrecem e que os professores se deixam frustrar e conclui que isso decorre da própria natureza da escola. Quanto aos pais, surgem como meros espectadores do enredo. Há uma mãe cujo filho está na iminência de ser expulso e que não percebe sequer as razões pelas quais isso acontece porque não fala francês. O episódio ilustra uma realidade multirracial, mas também pode servir de metáfora à incomunicabilidade entre pais e escola.

"Muitos pais demitem-se e limitam--se a descarregar os filhos na escola, também porque não têm tempo", reconhece Adelaide Veludo, advogada, com dois filhos adolescentes. Mas, para o engenheiro João Queirós, pai de outro adolescente, a escola também não está preparada para acolher os pais. "Quando um pai é atendido num corredor por um professor sem tempo, dificilmente volta lá uma segunda vez", acusa. O raciocínio é reforçado por Adelaide: "Os horários em que os directores de turma estão disponíveis não são compatíveis com os horários dos pais que trabalham".

Recados nas cadernetas...

No filme, o conselho de turma reúne-se para avaliar o comportamento dos alunos e comunicá-lo aos pais presencialmente. "Na escola do meu filho não fazem reuniões com os pais em separado", diz João Queirós, segundo o qual as cadernetas, que deviam servir de correia de transmissão entre a escola e pais, chegam muitas vezes ao fim do ano lectivo vazias. "Contam-se pelos dedos os recados que nos chegam através das cadernetas...".


Para Cristina Braga, mãe de uma adolescente com 14 anos, há pais que se importam e pais que mantêm os filhos na escola porque só assim é que conseguem aceder ao Rendimento Social de Inserção. E outros "que podem receber cinco cartas registadas que continuam sem pôr os pés na escola", reforça Manuel Monteiro, que procura razões históricas para este divórcio: "A partir de 1930, os pais foram proibidos de ir à escola e eram chamados só quando havia mau comportamento dos filhos. Depois, com a massificação do ensino, a escola abriu-se, mas o hábito de os pais irem à escola entretanto perdeu-se".

Perto do final do filme, uma aluna confessa ao professor que não aprendeu nada durante o ano. "A escola não lhe disse nada, porque ela não está vocacionada para aquilo", interpreta Adelaide Veludo, para quem devia haver programas adaptados aos alunos que não querem entrar na idade adulta pela via da escolaridade. "Há alunos que andam na escola a encher pneus, que acabam por fazer o 9.º ano mas que basicamente estorvam os que querem aprender". Para esta mãe, "a solução era começar os cursos profissionalizantes mais cedo".

João Queirós também diz saber de alunos insatisfeitos com a turma. "São alunos preocupados com as médias que não se sentem bem porque as aulas estão sempre a ser interrompidas por três ou quatro que não querem estar ali". Para estes pais, o Inferno são os outros. É da natureza deles.

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