O cartaz de L’Inconnu du Lac foi demais para os habitantes de Saint-Cloud e Versailles

Poster promocional do filme premiado em Cannes - por um júri presidido pelo português João Pedro Rodrigues - foi retirado das ruas após queixas. Casal de homens beija-se em primeiro plano.

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Prémio de melhor realização na secção Un Certain Regard e Queer Palm do último Festival de Cannes, L’Inconnu du Lac é novo filme de Alain Guiraudie. Até aqui, nada de mais. O filme centrado na relação de Franck e Michel, que estreará em Portugal pela Leopardo Filmes de Paulo Branco, pode contudo motivar manifestações já esta quarta-feira em França, a poucos dias da promulgação da lei que permite o casamento homossexual no país. O problema está no poster.

No seu cartaz promocional de traços naif, desenhado a lápis de cor, um casal de homens beija-se em primeiro plano – e, lá atrás, em fundo, um outro par parece entregar-se ao sexo oral. As vilas de Versailles e de Saint-Cloud, ambas na região parisiense de Île de France, mandaram retirar das ruas os posters. Em reacção, a associação SOS Homophobie e um festival de cinema gay pedem já um protesto contra o que consideram ser um acto de censura para quarta-feira.

“À luz do que se tem passado [contestação] em torno da aprovação da lei do casamento para todos em França, que é vergonhoso, isto não me surpreende”, comenta o realizador João Pedro Rodrigues, que em Maio presidiu ao júri da Queer Palm - o prémio do Festival de Cannes atribuído às longas e curtas-metragens pela abordagem que fazem de temas homossexuais, lésbicos, bissexuais ou transgénero.

L’Inconnu du Lac, como descreve o Le Monde, gira em torno de um lago onde “muitos homens se encontram para nadar, se bronzear (de preferência integralmente), mas também e sobretudo para se roçar, se acariciar, se consumir – acção que Guiraudie filma sem desvios supérfluos – nos bosquezinhos circundantes”. O filme centra-se, nesse local de engate idílico, na atracção entre Franck e Michel. O cartaz é da autoria do ilustrador, activista e realizador francês Tom de Pékin. A data de estreia do filme em França está agendada para quarta-feira, dia 12, e por isso os cartazes estão na rua, a anunciar a chegada do filme. “Era o vencedor óbvio” da Queer Palm, diz Rodrigues ao PÚBLICO, “é um filme de uma solidez e de uma maturidade incrível”, mesmo no percurso de Guiraudie. “Foi o filme mais bonito que vi em Cannes” este ano.

Tanto em Saint-Cloud quanto em Versailles, os motivos para a saída dos cartazes das ruas terão sido as queixas de munícipes. Em Saint-Cloud terá sido “uma vintena” de queixas a originar a saída dos cartazes, algumas feitas pessoalmente na sede do município, outras por email, segundo fonte citada pelo site Rue 89. Já em Versailles, a intriga adensa-se: a autarquia desmente ter pedido à empresa de mobiliário urbano Decaux, que alberga publicidade nas ruas, a retirada dos cartazes. Mas “compreende que o cartaz possa chocar um público que se encontre desarmado face a posters que abordem a sexualidade na rua”, prosseguindo, citado pelo mesmo Rue 89, dizendo que se coloca “no lugar do pai de família que passeia com os seus filhos”. Já a Decaux, segundo o Rue 89, indica ter extraído os posters das ruas  - algo que é “extremamente raro” - de ambas as vilas por ordem dos município.

O realizador Alain Guiraudie disse na semana passada ao site Evene.fr que está surpreendido com a polémica, sobretudo porque o filme não gerou qualquer celeuma na 66.ª edição do Festival de Cannes, onde foi bem recebido, admitindo ainda assim que o público e os profissionais presentes no evento não sejam representativos da opinião pública francesa em geral.

A distribuidora de L’Inconnu du Lac não fala de censura, também porque “ainda” não teve “qualquer recusa de programação” de salas que forçasse à saída do filme dos ecrãs para onde já está programado. Régine Vial, que falou ao Rue 89 em nome da distribuidora Les Films du Losange, diz ter sido alertada para a “sensibilidade” particular de Versailles e Saint-Cloud – ambas as vilas são dos conservadores do UMP. “Mas vemos frequentemente na rua cartazes bem mais sexy ou ousados. Como por exemplo certos cartazes de roupa interior.”

L’Inconnu du Lac está classificado como filme para maiores de 16 anos e fará capa da próxima edição da revista norte-americana Cinemascope, com uma entrevista de João Pedro Rodrigues a Alain Guiraudie. “É irónico que do outro lado do Atlântico e numa publicação generalista como esta não haja pruridos” como os que levaram à retirada dos cartazes em França, comenta o realizador português. “Infelizmente, até pode ser que esta polémica ajude a carreira do filme. Às vezes acontece.”

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