No desformatar é que está o ganho do IndieLisboa 2014

A 11.ª edição do festival arranca esta quinta-feira para dez dias de cinema que se quer livre e fora de formatos, registando o “estado do mundo” da produção alternativa ou de autor.

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O Novo Testamento de Jesus Cristo segundo João
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Amor, Plástico e Barulho

“Indie”, diminutivo de “independente” hoje, significa o quê? Talvez a designação que o IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema Independente escolheu fizesse (mais) sentido em 2004, quando o certame teve a sua primeira edição.

Mas – embora talvez não tivéssemos inteira consciência disso nessa altura – a ideia de um cinema independente enquanto obra de liberdade total de criação e de produção já se começara a esbater. A normalização da designação como identificadora de cinema alternativo ou de autor, independentemente da sua proveniência, e a sua absorção pela produção mais comercial vieram ao longo dos anos alterar o que significa ser “indie”.

É verdade que o Indie nunca quis fechar a porta às várias possibilidades do que é e pode ser o cinema independente nos nossos dias. Mas também é verdade que a vulgarização da expressão tem vindo a criar questões de identidade, num país onde a experiência, o exemplo e a visibilidade do festival levaram a uma explosão de eventos. Daí que os directores Nuno Sena e Miguel Valverde falem, para a edição 2014, que começa hoje e se prolonga até 4 de Maio nas salas lisboetas da Culturgest, Cinemateca Portuguesa e dos cinemas São Jorge e City Campo Pequeno, de uma “desformatação”. Para longe da fórmula tradicional do “filme de festival”, em direcção a objectos que querem quebrar fronteiras e destruir gavetas, explorando caminhos que podem até nem levar a lado nenhum mas que merecem ser investigados. Confiando que, ao fim de dez anos, o público do Indie já “amadureceu” o suficiente para dar o passo seguinte.

Essa “desformatação” já viera ao de cima na competição de 2013, com os prémios principais entregues a dois objectos fora do baralho – Leviathan, de Véréna Paravel e Lucien Castaing-Taylor, e Lacrau, de João Vladimiro. Em 2014, contudo, a “desformatação” é abertamente assumida e transversal a todo o certame, reconhecendo também que muitos jovens cineastas procuram outras formas de expressão e de dialogar com o público e com o cinema.

Há, por exemplo, um reconhecimento das características de “objecto entre”: “entre” a ficção e a realidade, “entre” o documentário e a narrativa. Tema recorrente na competição internacional é a integração da própria comunidade e do local onde os filmes são rodados para construir um universo onde muitas vezes os próprios actores representam versões de si mesmos. Mouton, da dupla francesa Marianne Pistone e Gilles Deroo (exibição dias 26 e 28 de Abril), ancora-se numa pequena comunidade costeira da Normandia; Los Ángeles (25 e 27 de Abril) vê o americano radicado na Alemanha Damian John Harper ir rodar ao México profundo, a uma aldeia onde trabalhou como etnógrafo; Mambo Cool (29 de Abril e 1 de Maio) é o americano Chris Gude a construir polaroids de um bairro da lata colombiano a partir dos seus próprios habitantes. 

E os dois mais notáveis filmes da competição nada seriam sem o regionalismo que serve de contrapeso às suas narrativas: em Amor, Plástico e Barulho (27 e 28 de Abril) a brasileira Renata Pinheiro mergulha a fundo no mundo dos grupos de baile “brega” do Pernambuco; em Les Apaches, de Thierry de Peretti (30 de Abril e 2 de Maio), é a Córsega o cenário de uma tragédia adolescente em tom de filme negro fatalista.

O “objecto entre” pode também estar na indefinição abertamente procurada entre “cinema” e “arte”, entre performance e instalação que o malaio Tsai Ming-Liang tem explorado com mais afinco recentemente e do qual o Indie irá mostrar o último exemplo, Journey to the West (Observatório, 29 de Abril e 2 de Maio).

Ou no diálogo fascinante entre cineastas americanos que, no papel, tudo divide como o “indie-mainstream” Richard Linklater e o “experimentalista” James Benning – no documentário Double Play de Gabe Klinger (Director's Cut, 28 de Abril). Ou no que o canadiano Denis Côté, por exemplo, procura no constante movimento circular de ida e volta entre ficção e documentário, do qual Que ta joie demeure (Pulsar do Mundo, 2 e 3 de Maio) é o mais recente exemplo. Ou nos dois filmes mais “radicais” do pequeno concurso nacional: O Novo Testamento de Jesus Cristo segundo João (30 de Abril e 3 de Maio), onde Joaquim Pinto e Nuno Leonel propõem uma experiência formal nos passos de Derek Jarman e João César Monteiro, e Revolução Industrial (25 e 27 de Abril), que Frederico Lobo e Tiago Hespanha desenham como uma meditação irónica o modo como o desenvolvimento industrial do rio Ave no século XX já quase se perdeu nas brumas do tempo.

Outras tantas pistas para descobrir que o cinema moderno tanto mais “independente” será quanto mais livremente olhar para os seus assuntos. Há muitas mais, ao longo destes dez dias.

O programa completo do IndieLisboa pode ser consultado em www.indielisboa.com

 

 

 

 

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