Nástio Mosquito promete uma surra de palavras e de som

Um álbum singular, Se Eu Fosse Angolano, foi-se tornando conhecido no último ano em Portugal. Nesta quinta e no sábado, o artista, cantor e performer Nástio Mosquito apresenta-o ao vivo, em Lisboa e Guimarães.

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Nástio Mosquito Vic Pereiro

“Se há alguma coisa que me tenha surpreendido neste último ano? Sim, estar aqui, de novo, passado quase um ano, a falar contigo sobre o álbum”, ri-se Nástio Mosquito, artista, performer e cantor angolano, com quem falámos em Julho de 2013, quando deu a conhecer o excelente álbum Se Eu Fosse Angolano.

“É muito positivo. É um sintoma de que o mercado português está a dar atenção ao meu disco, quando eu até já tinha meio desistido do mercado português, e essa predisposição acaba por me surpreender”, afirma ele, antes do concerto no Lux, em Lisboa, nesta quinta-feira (22h30), e também no sábado, em Guimarães, no Café Concerto do Centro Cultural Vila Flor, pelas 24h00.

Os dois concertos desta semana servem de apresentação ao álbum, revelado o ano passado, e que desde há semanas pode também ser encontrado nas lojas FNAC na versão CD duplo – aliás, quem adquirir bilhete para o Lux, na FNAC, tem direito ao CD.

No ano transacto, escrevíamos que o seu verdadeiro primeiro álbum, depois de experiências embrionárias, era uma obra imensa – acabaria por figurar na lista dos melhores discos do ano do suplemento Ípsilon. Música densa e compacta, mas inteligível, assente em múltiplas cambiantes (sobras de hip-hop, dub, semba, kizomba, kuduro, rock, tudo isso, mas nada disso) e as letras constituíam uma pessoalíssima digressão à volta das questões da identidade, da política ou da espiritualidade.

E ao vivo como vai ser? “O álbum tem uma dimensão meio cinematográfica, uma parede de som forte, e agora estão mais desnudadas”, reflecte. “Vai ser uma coisa com roupagens mais reduzidas, meio minimalista, mas ao mesmo tempo forte, uma surra de palavras e de sons. Vou ter alguma maquinaria, para fazer algum ruído, mas em relação ao álbum a roupagem é mais singela. Uma coisa mais intimista.”

Mais conhecido pela actividade de artes plásticas, tendo já exposto na Tate Modern de Londres, na bienal de São Paulo, ou no Museu Berardo em Lisboa, é um artista credibilizado, de circulação global, embora nunca tenha deixado a música e o palco.

Nos concertos, a acompanhá-lo, em diversa maquinaria, vai ter o rapper e poeta Alexandre Diaphra, mais conhecido por Biru (que actuará também na primeira parte, numa sessão de poesia falada, rapada e entoada), o teclista João Gomes (Orelha Negra, Cool Hipnoise) e o designer gráfico espanhol Vic Pereiró, co-responsável pelos vídeos e pela cenografia de palco, em conjunto com Nástio.  

Tudo gente que admira imenso e que o ajudarão a criar um espectáculo que evidenciará “algum do poder do álbum”, afirma, embora ainda esteja longe de constituir a sua formação ideal.  

O ideal era poder contar com os músicos que com ele gravaram o álbum, afirma. O baterista está em Cabo Verde, o guitarrista em Angola e os dois homens das electrónicas (Chris Gibson e Bill Hasselberger), na Califórnia e na Virgínia, nos Estados Unidos.

Mas a questão não é geográfica. É monetária. “Este concerto do Lux é uma aposta, é uma oportunidade para me mostrar às pessoas, pelo menos a 70% do que poderá ser”, afirma.

Ou seja, é um investimento, “para ver se existe uma aposta (dos programadores ou agentes) para ser possível fazer uma coisa ainda mais inteira”, diz. “Quero dar concertos. Não é que queira ganhar muito dinheiro, mas sim dar bons concertos, e para isso suceder preciso de ter os meus músicos, que custam dinheiro.”

No último ano, o seu nome foi crescendo em Portugal. “Acho que há uma conspiração positiva para que as pessoas conheçam o disco”, ri-se ele. “É bom haver quem escreva sobre mim e que faça as pessoas interessarem-se pela música, mas os concertos é que é”, volta a sublinhar. “A minha principal ambição, depois de a imprensa e de as pessoas saberem que existe o disco para o ouvirem, é ter toda a banda comigo, até para não ter desculpas”, expõe.

Nesta quinta e no sábado, não terá ainda a sua banda, mas não custa acreditar que aquilo que se ouvirá e visualizará vai valer a pena. Porque a sua paixão são as palavras. E também o som. Quem já o viu em palco sabe do que é capaz: voz grave, mais dita que cantada, com o seu corpo todo a habitar as palavras. Não é um cantor convencional. Mas tem a urgência, e a esperança provocadora, na ponta da língua. Cada canção é servida por uma voz, uma perspectiva, uma ideia diferente da anterior, com as palavras lúcidas ou crípticas, envolvidas por som envolvente e físico.

Não é fácil situá-lo. E não é apenas musicalmente. Em parte, seja na música, ou nas artes plásticas, o seu trabalho é precisamente sobre isso. É sobre tensões não resolvidas. As feridas que podem vir a sarar mas ainda estão abertas. É sobre o processo. É sobre como duas pessoas se encontram e geram comunicação e objectivos comuns, para lá do país de ambas, da ideologia, da cor da pele, do género.

Não admira que não conforte quem tem certezas absolutas, principalmente sobre o seu país de origem, Angola. É que Nástio está lá precisamente para questionar essas certezas, ao mesmo tempo pondo-se em causa também a si próprio. Move-se entre conflitos. Por um lado estão sempre a tentar arranjar-lhe uma prateleira – ainda há semanas o jornal britânico The Guardian o nomeava como um dos “dez artistas africanos a que vale a pena dar atenção”.

Mas na prática criativa quer afirmar-se pela sua singularidade, não por representar uma suposta identidade nacional, ou continental, seja ela qual for. O seu leque de referências é vasto. Em vez de separar, agrega formas tradicionais angolanas, da cultura globalizada ou dos espaços transnacionais onde se vai movendo.

Nos últimos tempos não tem parado. Desenvolveu um projecto visual com o espanhol Vic Pereiró e nas artes plásticas acabou de voltar de Dublin, tendo apresentações marcadas nas próximas semanas para Bélgica, Suíça, Canadá ou África do Sul. Este ano já criou duas performances: Bee: The Opposite of Cockroach e Testify, que apresentou em Londres. No Verão actuará no festival Músicas do Mundo de Sines. “O meu plano para os próximos tempos, a partir de Maio, é tentar dormir”, diz.

“É bom que estejam coisas a acontecer, mas quero parar um pouco. Não quero estar em piloto automático, mas acrescentar coisas. Não quero estar a dar concertos por dar, por exemplo.”

Em Maio regressa a Angola. E como tem sido a recepção ao álbum no seu país de origem? “Não tenho noção, até porque estou há muitos meses fora a fazer coisas noutros lugares. Mas dá-me ideia de que a vossa atenção aqui também contribuiu para causar sensação lá.”  

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