Morreu Shomei Tomatsu, um dos pais da moderna fotografia japonesa

Autor de uma das obras mais marcantes da devastação causada pelos ataques nucleares a Nagasaki e Hiroshima e impulsionador de uma abordagem fotográfica impressionista da realidade

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Blood & Rose 2, Tokyo Shomei Tomatsu
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Melted bottle, (da série Nagasaki 11:02) Nagasaki, 1961 Shomei Tomatsu
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Prostituta, Nagoya, 1958 Shomei Tomatsu
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Artistas de rua (da série Chindon) Tokyo, 1961 Shomei Tomatsu
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Protesto (da série Protest) Tokyo, 1969 Shomei Tomatsu

Morreu o fotógrafo japonês Shomei Tomatsu, responsável por uma das mais marcantes obras sobre a devastação e os sobreviventes do bombardeamento atómico de Nagasaki e Hiroshima, em 1945, e reconhecido como um dos mais influentes fotógrafos da moderna fotografia nipónica do pós-guerra. A informação do desaparecimento de Tomatsu, que morreu de pneumonia provocada por um cancro no dia 14 de Dezembro, só ontem foi divulgada pela família. Era avesso a grande exposição pública e, segundo o The Guardian, nunca terá saído do seu país natal.

Tomatsu, que tinha 82 anos, estava internado há algum tempo no hospital de Naha, capital da província de Okinawa, no Sul do país, uma das regiões que mais fotografou e onde captou as marcas de uma cultura muito particular que sobreviveu a recorrentes invasões, conquistas e ocupações, como a que aconteceu com o Exército norte-americano depois da capitulação nipónica na II Guerra Mundial. A cultura popular americana do pós-guerra e a sua influência na sociedade japonesa foi, aliás, um dos seus principais corpos de trabalho, imagens que tentam captar as subtilezas visuais, as ambivalências de comportamento de uma sociedade em profunda transformação. Chewing Gum and Chocolate é uma das séries mais famosas deste trabalho e foi registada ao longo de vários anos nos arredores de bases aéreas americanas instaladas em território japonês. Tomatsu concentrou-se sobretudo na experiência individual e nos sinais da presença humana para tentar interpretar situações conjunturais extremas ou em profunda mudança.

Michael Hoppen, o galerista que o representava em Londres, afirma, em declarações ao site PDN, que se perdeu “um dos maiores fotógrafos do mundo”. “Shomei Tomatsu recusou-se a ceder em todos os níveis e era o fotógrafo dos fotógrafos”.

Considerado um dos pais da moderna fotografia japonesa, que nos anos 60 começou a dar sinais através de nomes como Takuma Nakahira e Daido Moriyama e de fotolivros e revistas como a seminal Provoke, foi premiado com inúmeras distinções nacionais e internacionais tendo publicado 17 fotolivros a título individual. Pouco conhecido fora do Japão, o trabalho de Shomei Tomatsu foi, no entanto, alvo de uma grande retrospectiva no San Francisco Museum of Modern Art em 2006 (Shomei Tomatsu: Skin of a Nation).

Em simultâneo ao impacto da cultura Ocidental nos mais tradicionais modos de vida japoneses, Tomatsu inquiriu visualmente a proliferação de uma cultura boémia e reactiva ao longo dos anos 60, investida concretizada sobretudo nas séries Eros, Tokyo e Protest, Tokyo.

Um fotógrafo em roda-livre
Citado pelo British Journal of Photography, o crítico e teórico de fotografia Gerry Badger afirma que Tomatsu influenciou “de forma decisiva” a chamada “geração Provoke” que agrupou muitos fotógrafos japoneses em início de carreira que desenvolveram um estilo visual “em roda livre, altamente expressionista no qual cada fotografia pretendia chegar aos limites da incoerência descritiva”. Para Badger, um dos aspectos mais relevantes deste grupo, que teve em Tomatsu um dos principais impulsionadores, era a sua atitude desafiante em relação ao mundo, uma atitude inflamada pelo protesto político e pouco interessada em consolidar um estilo ou uma estética particulares.

Nascido Teruaki Tomatsu, em 1930, em Nagoya, Shomei Tomatsu era um militante pacifista, muito contido nas palavras e na exposição pública dos seus sentimentos, segundo descreve o obituário do jornal francês Le Figaro, assinanado por Valérie Duponchelle, que o entrevistou no Japão. Começou a fotografar quando era criança e depois de um título académico em Económicas pela Universidade de Aichi, colobora com o grupo editorial Iwanami. Esta ligação dura pouco, dois anos, tornando-se freelance logo a seguir. Em 1959, funda a cooperativa de fotografia "Vivo”  (1957-1961) em colaboração com Eiko Hosoe (1933-) e Ikko Narahara (1931-).

O primeiro grande marco da sua carreira acontece com a publicação de Hiroshima-Nagasaki Document 1961, ao lado de Ken Domon (1909-1990), um fotolivro que desperta o interesse do público e da crítica pela forma impressionista e pouco documental com que trata a devastação causada pelos bombardeamentos atómicos àquelas duas cidades nipónicas, a 9 de Agosto de 1945. É deste período uma das mais icónicas fotografias da sua carreira e do que significou o lançamento das duas bombas atómicas sobre o Japão. Melted Bottle não é uma imagem imediata, mostra aquilo que parece um corpo mutante retorcido, um corpo sem pele, esticado, quando na verdade é uma garrafa de cerveja moldada pelo calor e impacto dos engenhos nucleares. Os objectos arquivados num pequeno museu de memória, onde foi registada esta imagem, dão a Tomatsu uma metáfora visual poderosa do que aconteceu aos corpos humanos nos ataques, ao mesmo tempo que sugere os custos de um acontecimento que mudou a história do país.

Depois do trabalho centrado em Hiroshima e Nagasaki, Tomatsu mudou-se para Okinawa quando aquela província estava sob ocupação americana (só foi restituída oficialmente ao Japão em 1972). Para além de ter captado as consequências sociais desta presença naquela região, Shomei Tomatsu construiu um corpo de trabalho de grande relevância sobre as manifestações culturais mais tradicionais do arquipélago. 

No final dos anos 90, Tomatsu instalou-se novamente em Nagasaki, onde voltou a retratar sobreviventes da bomba atómica, até que, há cerca de dois anos, regressou a Okinawa, onde acabou por morrer. Nos anos mais recentes fotografou também os impactos da explosão económica no Japão. Uma das últimas grandes exposições do seu trabalho aconteceu em 2009 no Museu da Bomba Atómica de Nagasaki.

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