Meio concerto dos Queens Of The Stone Age valeu por todo um dia de Rock In Rio

Os Linkin Park foram quem mais gente arrastou ao Parque da Bela Vista, sexta-feira, para o terceiro dia de Rock In Rio Lisboa com 68 mil espectadores. Um dia de anti-clímax depois do acontecimento que fora o concerto dos Rolling Stones. Salvou-o a metade final do concerto dos Queens Of The Stone Age.

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Miguel Manso
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Teria que ser anti-clímax, não é? Depois de um dia com um mito vivo chamado Rolling Stones, que acolheu em palco outro mito vivo chamado Bruce Springsteen, não havia outra hipótese. Anti-clímax. Os cabeças de cartaz, e consequência natural desse estatuto, aqueles que mais gente chamaram ao terceiro dia de Rock In Rio Lisboa, sexta-feira, eram uns sobreviventes inesperados desse filão de má memória chamado nu-metal que, com o passar dos anos, se transformaram num inusitado fenómeno de massas. O seu nome, Linkin Park.

Deram um concerto em que conseguiram encaixar quase três dezenas de canções (entre interpretações na totalidade, versões encurtadas e meras citações) no tempo de actuação previsto. Tudo estudado ao pormenor, toda a música tratada como centrifugadora onde tudo cabe, de acordo com o mínimo denominador comum: não é bem thrash e não é bem rap-metal, não é exactamente EDM e as baladas ao piano não são propriamente os Coldplay, mas pretendem, da mesma forma que o faz Chris Martin, tocar o coração com lugares comuns de mesa de escola secundária.

68 mil pessoas no Rock In Rio Lisboa para um terceiro dia sem grande história – excepção feita à segunda metade do concerto dos Queens Of The Stone Age, máquina rock'n'roll que, quando alinhou correctamente as peças todas, por altura de Little sister, assinou o melhor momento do dia.

À entrada, tudo parecia como sempre. As sempre concorridas aulas de dança; as pessoas que colocavam perucas de óculos escuros à Bootsy Collins e pegavam numa guitarra de plástico para fazer pose ao som de um êxito qualquer; a banda na Rock Street que continuava a tocar as versões de Beatles, Rolling Stones e o House of the rising sun; a corrida para a fila sempre imensa de oferta de sofás insufláveis. O Rock In Rio Lisboa de sempre. Com uma diferença, o público que parecia ter descido uns degraus na faixa etária. Ao terceiro dia, os adolescentes foram (ainda mais) senhores deste festival que é um acontecimento de massas transversal, familiar. Chamavam-nos os Linkin Park, apesar de se descobrirem em número generoso t-shirts com a sigla QOTSA (isso, Queens Of The Stone Age), apesar de a chegada dos Capital Inicial, banda histórica do rock brasileiro que inaugurou o palco principal, ter mostrado que havia no Parque da Bela Vista uma pequena comunidade interessada neles: concentraram-se junto ao palco aqueles que carregavam ao ombro a bandeira do Brasil (e pelo menos uma do Cruzeiro de Belo Horizonte) e ouviram a banda “condensar numa hora” um percurso já longo.

“Mataram Cristo redentor”, gritaram enquanto as guitarras carregavam na distorção. Fundiram punk interventivo com o hard-rock lúdico dos The Cult enquanto disparavam “nunca diga nunca mais” e, antes de se despedirem com uma versão de Should I stay or should I go, o clássico dos Clash, puseram o público, pela primeira vez naquela tarde, a cantar em uníssono Primeiros erros, a balada de base acústica que Tim, dos Xutos & Pontapés, gravou a solo.

Quando a banda formada em Brasília em 1982 tocava, já o Rock In Rio tinha vivido na sua coutada de privilégio, vulgo zona VIP, um momento simbólico. Sob o olhar atento de Roberto e Roberta Medina, António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, entregou a chave da Cidade do Rock a Bill Hornbuckle, o presidente da MGM Entertainment, que, juntamente com o também presente Jerry Nadal, vice-presidente do Cirque du Soleil, levará o Rock In Rio para Las Vegas em 2015, o ano em que se celebrarão 30 anos desde a sua primeira edição. Já em 2016, assegurou Costa, estará novamente no Parque da Bela Vista para que dias como este continuem a acontecer. Dias em que 68 mil pessoas seguem atentamente a dinâmica rapaz que berra  (Chester Bennington) / rapaz que “rappa” (Mike Shinoda) dos Linkin Park.

A banda de Numb, sucesso da primeira vida do grupo que, naturalmente, passou pelo longo alinhamento, é uma longa e fastidiosa sucessão de clichés ensaiada com precisão e encenada cuidadosamente. Têm longas introduções para provocar ansiedade e dividem o concerto em diferentes secções (mais “rockado”, mais electrónico, mais um solo de bateria quase no final). Misturam linhas melódicas de guitarra extraídas do livro de estilo do thrash com o ritmo compassado, pesadão, que fez o nu-metal de Korn e Limp Bizkit, mas também têm acessos de baladeiro ao piano que Chris Martin (vocoder incluído), não desdenharia. Cantam que ninguém os compreende, berram Guilty all the same (foi logo a segunda da noite), retiram as guitarras de cena e dão primazia as electrónicas: batidas de um Moby em piloto automático ou, porque sabem estar de acordo com o seu tempo, o ritmo movido a sintetizadores (techno em esteróides, digamos) que Steve Aoki, amigo convidado a subir a palco, ofereceria ao público mais tarde.

Sem rasgo e sem história, agrupando clichés de proveniências diversas e embrulhando-as em refrões típicos da literatura de auto-ajuda (You don't know what you got / until it's gone, ouvimos algures), os Linkin Park são um caso peculiar de sucesso de massas. Têm tudo muito bem estudado, muito bem ensaiado, mas nada neles é particularmente distintivo. Toda a banalidade será perdoada. E os Linkin Park nem precisam de ser perdoados. Perdoados de quê? Afinal, têm dezenas de milhar a seguir atentamente o concerto, a cantar as letras das canções e a aplaudir efusivamente quando se despedem agradecendo: “Esta é a melhor maneira de começar uma digressão mundial, aqui em Lisboa”.

Quando o fizeram, já os Hercules & Love Affair tinham terminado a sua sessão de disco sound actualizado ao século XXI na tenda Electrónica (mini festa para a centena de pessoas que enfrentou o vento forte com dança e um sorriso hedonista). Já há muito que Blood Orange, no palco Vodafone, tinha deixado uma certeza: aquela música que é uma amálgama feliz do Prince do funk sintético da década de 1980, do Michael Jackson de Bad e da pop para iates e daiquiri de há 30 anos, pede uma sala pequena para respirar devidamente – é aí que queremos ouvir essa óptima peça pop que é Cupid Deluxe, criada nos Estados Unidos pelo britânico Dev Hines. Já quem lhe sucedeu cronologicamente, não no palco secundário, mas no principal, está à vontade em qualquer cenário: um palco de grandes dimensões num festival de massas como é o Rock In Rio, um clube rock'n'roll, uma cave de uma terriola perdida no mapa. Tudo será adequado para os Queens Of The Stone Age de Josh Homme.

I think we should all get drunk and fuck together”, dirá a início o homem que fundou os Queens Of The Stone Age após o fim dos Kyuss. Estava feliz Josh Homme. Imponente nos seus quase dois metros,é o homem que guia a banda pelos novos territórios sonoros de Like clockwork, do boogie muito glam de If I had a tail à balada fúnebre, belíssima, que deu título a esse último álbum (e que acabará num planar Floydiano que é uma das faces mais interessantes da vida mais recente da banda)

Ainda assim, e apesar do entusiasmo evidente que a visão de uma plateia de dezenas de milhar lhes provocava, o concerto, prejudicado pelo som deficiente (o vento, uma vez mais, retirava-lhe nitidez e, de tempos a tempos, parecia enfiar a banda num túnel de grande profundidade), arrancou verdadeiramente quando o baixo sempre distorcido de Michael Shuman, a bateria tonitruante de Jon Theodore, o som cortante dos teclados de Dean Fertita e as guitarras de Troy Van Leeuwen e de Josh Homme se concentraram no principal: rock'n'roll enquanto libertação no limite da psicose, o som de uma locomotiva acelerando e ameaçando descarrilar (mas nunca descarrila e é um prazer ver o prazer que retira do perigo iminente).

Quando se ouviram canções como My God is the sun ou a obrigatória No one knows, aplaudida efusivamente (e com o público a cantarolar-lhe o riff), o terceiro dia do Rock In Rio Lisboa viveu os seus momentos mais marcantes. Josh Homme de costas para o público no estrado da bateria, em diálogo com o infatigável Theodore. A banda a prolongar as canções como jams impostas pelo momento. Os Queens Of The Stone Age finalmente sem tréguas: chamaram-lhe stoner rock e eles vieram mostrar o que é exactamente isso que criaram nessa terra de ninguém chamada Palm Desert. “Muito obrigado. Foi o melhor de sempre”, despede-se Josh Homme. Só ele o poderá saber. Nós temos por certo que a segunda metade do seu concerto foi o ponto alto de um dia morno no Rock In Rio.

Horas antes, quando o palco principal estava ainda por estrear, olhar para ele era antecipar o fim. Quatro letras gigantes: A-O-K-I. Steve Aoki, o DJ estrela, rei da EDM americana que tudo aprendeu com o música de dança electrónica europeia da década de 1990 (a mais imediata, despida de qualquer subtileza). A despedida ficou a seu cargo, quando parte considerável da multidão já abandonara o Parque da Bela Vista em direcção a casa.

O Rock In Rio Lisboa 2014 recebe sábado os Arcade Fire e despede-se domingo com Justin Timberlake como nome mais destacado em cartaz.  

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