Há segredos na pintura de Pollock que o restauro está a revelar

Tal como acontece com a pintura antiga, o restauro de One, obra-prima do Expressionismo Abstracto, revelou e permitiu eliminar intervenções posteriores à morte de Pollock.

Jackson Pollock a trabalhar no seu estúdio
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Jackson Pollock a trabalhar no seu estúdio DR
A pintura "One: Number 31, 1950"
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A pintura One: Number 31, 1950 DR

Talvez, afinal, não conheçamos a pintura de Jackson Pollock (1912-1956) tão a fundo como até agora pensávamos.

Nesta terça-feira, One: Number 31, 1950, uma das telas que o pintor norte-americano fez nos três anos iniciais da sua emblemática técnica de dripping e que é hoje tida como uma obra-prima do Expressionismo Abstracto, voltará ao seu lugar no Museu de Arte Moderna da Nova Iorque (MoMA) após quase um ano de trabalhos de restauro. E esta imensa obra de mais de cinco metros de lado por mais de dois e meio de altura não é agora a mesma que antes, conta o The New York Times (NYT).

Durante a observação a raio X e luz ultravioleta a equipa de conservação do museu fez o tipo de descoberta que mais habitualmente acontece durante o restauro de pintura antiga: traços que em nada se assemelhavam ao estilo de Pollock, com uma textura diferente, sugerindo passagens repetitivas do pincel não encontradas em qualquer outra das suas obras. Nestas secções, a tinta era também diferente da usada no resto da tela.

“Não tinha as características típicas de tinta doméstica despejada que sabemos que Pollock usava”, explicou ao NYT James Coddington, conservador chefe do MoMA. Por outro lado, a “complicação” desses traços também “não tinha nada a ver com a forma como Pollock aplicava a tinta”, referiu ainda este especialista.   

Os testes revelaram que, para além do esmalte usado por Pollock, havia também na tela uma resina sintética. Dado que os registos do MoMA mostravam que a One não fora tocada desde que ali chegara, em 1968, e dado que não havia também indicação de ter sido restaurada antes disso, restava averiguar em que momento e circunstâncias a resina aparecera.  

Uma fotografia de 1962, tirada em Portland, no estado do Oregon, mostrou que, nessa altura, a tela não apresentava ainda vestígios dessa presença atípica. Uma vez que Pollock morreu em 1956, confirmou-se assim que os retoques tinham sido feitos por outra pessoa, disse Coddington ao NYT.   

Até agora, não se percebeu quem interveio sobre a superfície pictórica de One. Os especialistas do museu presumem que o objectivo tenha sido ocultar os danos descobertos durante a observação da tela a luz ultravioleta: uma série de fissuras sob a tinta.

Com o objectivo de reaproximar a pintura o mais possível do que era quando deixou o estúdio de Pollock, todos os traços da intervenção posterior à morte do artista foram eliminados. Segundo o NYT, em conjugação com a limpeza geral da obra, isso fez com que o preto e o branco subjacentes se tenham tornado “visivelmente mais nítidos”.

“Estão mais pronunciados. Há mais electricidade”, disse ao jornal Ann Temkin, curadora principal de Pintura e Escultura do MoMA.

A intervenção fez também com que as meadas de corrimentos de tinta “finos como teias de aranha” com que Pollock cobriu a tela tenham emergido como “fios de seda”, escreve ainda o jornal, acrescentando que algumas zonas parecem agora “marmorizadas”.  

Mas a intervenção feita à revelia de Pollock não foi a única revelação do processo de restauro. Um dos aspectos tornados evidentes pela minúcia dos exames foi que as gotas de tinta castanha do centro e base da pintura não foram feitas com a tela esticada no chão, como era hábito de Pollock para as suas drip e actions pantings. “São pingos verticais”, disse Coddington.

Fotografias do artista feitas por Hans Namuth mostraram Pollock no seu estúdio a pendurar obras na parede na recta final da execução. As gotas verticais “são como uma edição final”, “mostram que o artista não estava apenas a olhar para estas pinturas como os grandes feitos gestuais que parecem ser”, conclui Coddington, sublinhando que Pollock olhava para estes trabalhos “com um nível de detalhe tão grande que não nos é possível descortiná-lo”.

Num ponto da tela foram também encontradas diminutas gotículas de tinta cor-de-rosa que a equipa de restauro do MoMA acredita terem ali caído por acidente, ainda no estúdio. Foram preservadas. Tal como a pequena mosca intacta colada a um dos cantos da pintura – presume-se que em 1950, com a tinta ainda fresca, tenha poisado no quadro.

 

 
 
 

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