Giana Viscardi, uma voz paulista que celebra a negritude da Bahia

Cantora apresenta na noite de sexta-feira no B. Leza e domingo em Coimbra o seu mais recente trabalho, Orum .

Foto
Giana Viscardi Pedro Prata

Acabada de chegar de Cabo Verde, onde actuou no Atlantic Music Festival, a cantora paulista Giana Viscardi apresenta esta sexta-feira no B.Leza, em Lisboa (22h) e domingo no Salão Brazil, em Coimbra (18h) o seu mais recente trabalho, “Orum”, inédito em Portugal.

Nascida em São Paulo, em 1976, Giana não tem músicos profissionais na ascendência, mas na família cantavam tocavam e ouviam discos (de vinil, à época) e isso colou-se-lhe à pele desde muito cedo. “Aos 6 anos de idade o que me atraiu mesmo foi João Gilberto, comecei a imitá-lo e a minha família achava a coisa mais linda do mundo.” Na altura não tinha consciência, mas o que a encantou em João Gilberto, diz ela hoje, “foi o ritmo melódico, a liberdade, a rítmica com as músicas.” E mergulhou na bossa-nova.

Saiu do colégio para a faculdade de arquitectura, mas aí mais cantou do que desenhou. Começou depois a cantar num centro cultural paulista, juntou dinheiro e foi para estudar para os EUA. “A minha mãe sempre ouviu jazz. Então eu ouvia Billie Holiday, Sarah Vaughan, Nina Simone, Ella Fitzgerald, Stéphane Grappelli.” Numa escola paulista aprofundou esses laços e sentiu vontade de estudar improvisação. Foi então, aos 21 anos, para a Berkeley College of Music, em Boston. Cinco anos depois voltou para São Paulo e ingressou na cena musical local. Dos EUA trazia um disco gravado (Tinge, 2001), com o qual fez a sua primeira tournée na Europa, e em 2005 gravou 4321.

“O primeiro disco tinha uma energia jovem muito grande. O segundo era um pouco mais maduro, com uma autocrítica maior, um desejo de conseguir representar melhor o meu trabalho, o meu canto. Aí já existe mais um pensamento condutor.” O terceiro disco, Orum, oito anos depois do segundo, surgiu após uma maturação maior, em 2013. “Eu precisava ter algo de novo para apresentar ao público, não quis fazer apenas por fazer. Eu quis apresentar alguma novidade estética, musical. É um disco muito trabalhado.”

Produzido por Alê Siqueira, Orum tem arranjos do maestro Letieres Leite, da Orkestra Rumpilezz. Foi, aliás, a ouvi-lo, que Giana encontrou o caminho do seu novo disco. “A primeira música que eu cantei na minha vida, aos 6 anos, uma música adulta, foi Rosa Morena, que eu ouvi na voz de João Gilberto mas que é de Dorival Caymmi. Dois baianos. E eu sempre fui muito influenciada pela música da Bahia, através de Gilberto Gil, de Dorival Caymmi, de Caetano Veloso, e esse chamamento para o ritmo surge em contacto com a música da Bahia. Existe aí um elo de ligação com a cultura negra. Ora foi num encontro com o maestro Letieres Leite que eu vi como entrar nesse som de maneira apropriada. Além de arranjador, ele é um mestre, um professor, não só meu como de uma nova geração que está muito atenta ao que ele nos traz como referência.”

Chico César é outro dos músicos que participam no disco. “Somos amigos desde 1996, era eu ainda estudante de arquitectura. Sentámo-nos lado a lado, num show, em São Paulo e desde aí cruzamo-nos por coincidência em várias partes do mundo. Ele foi para os Estados Unidos e eu participei num show dele, encontrámo-nos na Suíça e na Áustria e eles participou nos meus shows, e agora cantamos juntos em Cabo Verde. É um grande amigo, um padrinho musical e, tal como Letieres, está muito disponível para os jovens artistas, recebe-os na sua casa, tem uma enorme discoteca que compartilha com a gente. É muito generoso.” Giana escreveu até um poema para ele, que lhe enviou pelo telemóvel, e que ele musicou. Chama-se Deslumbrada lua e entrou no disco “4321”.

Em Lisboa e Coimbra, apesar de esta ser a tournée de lançamento do disco Orum, Giana Viscardi cantará também outros temas. “Vou tocar, por exemplo, uma canção do Gilberto Gil que foi uma das que me encaminharam nesta curiosidade pela música afro-brasileira. Chama-se Babá Alapalá e fala da ancestralidade, da oralidade, da cultura transmitida de pai para filho. E incluo também as músicas que dão nome aos meus outros dois discos, a canção 4321 e a canção Tinge.”

Sugerir correcção
Comentar